COMUNICADO CONVERGÊNCIA: AUMENTO DOS SALÁRIOS É PRIORIDADE NO COMBATE À INFLAÇÃO E AO EMPOBRECIMENTO
As projeções do Banco de Portugal (BP) e do OE2022 para uma inflação de 4%
estão a ser pulverizadas pela realidade. O BP foi obrigado recentemente a rever
em alta a previsão, estando agora em 5,9% para 2022. Porém, a inflação
aumentou para 8,0% em maio (7,2% em abril), o valor mais elevado registado
desde fevereiro de 1993, conforme o mais recente relatório do INE,
impulsionada principalmente pelo aumento dos preços, com uma forte componente
especulativa, dos produtos energéticos (27,2%, o valor mais elevado desde 1985)
e dos produtos alimentares (11,7%). O rendimento de trabalhadores e
pensionistas não está a acompanhar o aumento generalizado dos preços. A recusa
do Governo em proceder a aumentos salariais diminui, como efeito direto da
inflação, o rendimentos real da maioria da população, já confrontada com baixos
salários e precariedade laboral.
Mesmo não havendo cortes nominais nos salários nem aumento de impostos, a
inflação corresponde a uma espécie de imposto escondido, uma austeridade
“invisível e incolor” como refere Eugénio Rosa, que está a comer rapidamente
salários e pensões. A bitola de 0,9% para a Função Pública significa perda
salarial acentuada. A legislação laboral favorece o patronato, prejudica os
processos de negociação coletiva e contribui para os baixos salários também no
setor privado. Em 2022 os salários e pensões vão sofrer perdas reais
superiores às ocorridas nos anos da troika, num regresso ao intolerável
processo de empobrecimento e agravamento das desigualdades.
Os grandes grupos que controlam os mercados estão a ver os lucros crescer e
distribuem dividendos aos acionistas ao nível mais elevado dos últimos anos. A
alegada tese de que o nível de produtividade seria inferior ao do aumento de
salários e que este agravaria a crise inflacionista, é a estratégia do capital
para sustentar a narrativa da necessidade da desvalorização salarial real e,
por essa via, a diminuição da procura. Com a subida da inflação, também o
Estado está a arrecadar mais receita. No primeiro trimestre deste ano já cobrou
mais 152,4 milhões de euros do que em 2021 no imposto sobre os produtos
petrolíferos e mais 1006,3 milhões de IVA. Não são os salários, mas os
lucros que estão a operar o mecanismo de propagação inflacionista.
Está em curso um processo que poderá traduzir-se na maior transferência de
rendimentos do lado do trabalho para o lado do capital das últimas décadas.
Aprofunda-se o desequilíbrio entre trabalho e capital. O agravamento das
desigualdades económicas e sociais e o empobrecimento vão continuar, com
particular impacte nos grupos sociais mais discriminados e
fragilizados, nas mulheres, nos migrantes, na população racializada e nos
trabalhadores precários, nos jovens e nos setores de salários mais
baixos. A erosão dos salários faz com que o peso do rendimento agregado
dos trabalhadores decresça em relação ao global do rendimento nacional.
A inflação começou a subir nos finais do ano passado, mas os salários reais
não cresceram nem crescem na mesma medida. Trata-se de uma política
macroeconómica de “desvalorização interna”, como alternativa a uma política de
desvalorização cambial, orientada para a redução dos chamados custos do trabalho,
diretos e indiretos, tendo em vista beneficiar o capital com o reforço da
competitividade dos bens e serviços transacionáveis. Governo e
patronato defendem, às claras, uma espécie de congelamento salarial que conduz
a uma quebra real e como intocável o desequilíbrio na legislação laboral e na
contratação coletiva.
Está criada uma conjuntura política que agrava as condições de vida das
populações, acompanhada por um contexto, nomeadamente nos media, de
medo sobre o que se vai passar, o que dá cobertura à especulação, favorece o
retrocesso nos objetivos da transição energética e do combate às consequências
das alterações climáticas, o conservadorismo, a corrida armamentista e o
expansionismo militar. O eclodir da guerra na Ucrânia criou condições
para que a pressão inflacionista disparasse.
A brutalidade da invasão da Ucrânia e o seu prolongamento condiciona a
consciência das populações pelo dramatismo da própria guerra. Os riscos de
alargamento do conflito, a escassez de produtos alimentares e o generalizado
aumento especulativo dos preços, com especial gravidade nos produtos
energéticos, colocam as consequências da guerra no centro da luta política e
social. A maioria absoluta do PS não pode passar por entre os pingos da chuva
desta crise que, neste caso, são o empobrecimento e o fomento da agressividade
militarista na UE. Esta maioria absoluta deve ser responsabilizada pela
transferência do peso da crise provocada pela guerra e pela inflação para os
setores mais desprotegidos da população. A guerra está a condicionar
todo o quadro político nacional e internacional e a aprofundar os fatores de
desequilíbrio social.
O combate à guerra e as mobilizações sociais pela paz, devem conjugar-se
com as agendas laboral, climática, feminista, antirracista, anti-imperialista,
contra as discriminações, pelos direitos humanos, pela solidariedade entre os
povos e outras. A luta de classes não foi dissolvida pela guerra, antes pelo
contrário, agudizou-a. A interseccionalidade dos movimentos e das lutas
constitui uma abordagem indispensável em favor da unidade e da conjugação de
forças – estamos nas lutas todas!
O movimento em defesa dos salários e das pensões, contra a precariedade e
pela alteração das leis laborais tem de desempenhar papel central nas
mobilizações para enfrentar a maioria absoluta. Ganha força a ideia da
convocação de uma greve geral durante a discussão do OE2023. Qualquer programa
progressista de combate à inflação – o PM já veio dizer que os
combustíveis ″só vão baixar quando a guerra parar″ – passa pelo
controlo de preços, mas tem de ir para além disso, exige a preservação dos
salários, o que significa a necessidade absoluta de aumentos salariais – a
prioridade no combate à inflação, ao empobrecimento e à austeridade é o aumento
dos salários.
Jun.2022
CONVERGÊNCIA17 DE JUNHO DE
2022
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