Intervenção de Pedro Soares na 4a Conferência Nacional do Bloco


 

Saúdo todos os contributos e as várias propostas para debate nesta Conferência. É com pluralidade que se constrói a unidade. Subscrevo a intervenção do camarada Fernando Rosas sobre a brutal e condenável invasão pela Federação Russa da Ucrânia e o papel dos EUA no conflito.

Devemos fazer um esforço conjunto, coletivo, para retirar do passado o que nos interessa para o futuro. Há quem, perante a necessidade deste esforço autocrítico, próprio de um partido de esquerda, comece de imediato a cavar trincheiras. Ou a fazer considerações sobre estados de alma, cenas de arrependimento ou ausência dele. Isso ajuda muito pouco ou nada. O que ajudava mesmo era restabelecer o diálogo no nosso seio, sem estigmas nem exclusões. Quem não está interessado na recuperação da capacidade de diálogo entre todos/as nós?

O Secretariado veio hoje declarar na imprensa (Público 30.04.2022) que o “PS nos impôs uma relação tóxica” e que o Bloco precisa de recuperar a “autonomia” que perdeu. Finalmente, no próprio dia em que se realiza a nossa Conferência, o Secretariado vem reconhecer publicamente o que temos vindo a dizer há muito!

À luz destas considerações agora veiculadas na imprensa, mencionadas nas propostas globais alternativas apresentadas nesta Conferência, mas curiosamente ausentes na proposta da Comissão Política, como devemos avaliar a já manifestada – pelo Secretariado – incapacidade para explicar aos/às eleitoras o chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022?

A proximidade tóxica do Bloco com o PS e a perda de autonomia ao longo desse ciclo político, agora aparentemente reconhecidas pelo Secretariado, criaram uma natural expetativa na opinião pública de que o Bloco negociaria com o Governo PS a viabilização do OE 2022.

Não assumimos ser oposição, construtiva e influente, mas oposição. Fizemos um percurso de anos com apelos a uma aliança de suporte maioritário parlamentar a um governo PS. No entanto, à 25ª hora, decidimos reprovar um OE com problemas idênticos a outros que viabilizámos. Claro que o Governo não merecia outra coisa, mas esta atitude surge aos olhos de muita gente como contraditória e ziguezagueante. Criou uma onda de perplexidade como bem nos recordamos.

O Secretariado foi incapaz de explicar aquele posicionamento do Bloco, autenticamente de supetão, a largos sectores da população. Diz e escreve que assumiu o risco eleitoral do chumbo do OE. De que serve isso? Quer dizer que percebeu que estava numa linha que nos iria levar à derrota e insistiu no erro, não esteve à altura de atempadamente o corrigir?

Proximidade tóxica com o PS, perda de autonomia, campanhas de 2019 e de 2022 com centro tático num acordo geringoncista com o PS, recusa em se afirmar como oposição e, na reta final, chumbo do OE. Foi uma autêntica linha kamikaze, perdoem-me a dureza da expressão. Levou-nos à brutal derrota em janeiro depois de perdas eleitorais sucessivas, prejudicou a afirmação do Bloco e abdicou de representar uma alternativa socialista em Portugal.

Agora, confrontados com uma maioria absoluta do PS e um mundo em convulsão, afirmar ser oposição é o lado simples e óbvio da questão.

O lado complexo é considerar-se que, sem uma análise autocrítica da linha seguida, conseguimos garantir que não voltaremos, mesmo que de forma subtil, à proximidade tóxica com o PS, à perda de autonomia, à institucionalização da ação política, ao desprezo pelo trabalho de base, pela iniciativa local, autárquica e laboral. Qual a prioridade dada à destroikização da legislação do trabalho? Porque não se liga o social à luta ambiental? A mobilização contra a carestia e a perda real dos salários não devia estar na ordem do dia da nossa iniciativa?

Discutir o “rumo estratégico” sem resolver a pegada deixada por uma linha kamikaze não é credível. A próxima Convenção Nacional tem essa obrigação. Vamos a isso!

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