ATUALIDADE Militantes propõem à Conferência Nacional análise aprofundada do ciclo político e mobilização social pela alternativa à austeridade e ao empobrecimento
pela alternativa à austeridade e ao
A IVConferência Nacional do Bloco de Esquerda realiza-se no próximo dia 30
de abril, em Lisboa. Deverá ser, a partir de um balanço político sério e de
fundo, a rampa de lançamento do debate necessário e da exigência da definição
de um novo rumo em instância própria, a Convenção Nacional.
Um conjunto alargado de militantes de todo o país apresenta, a partir das
suas próprias experiências nas lutas pela afirmação do Bloco e como contributo
para o debate, uma leitura aprofundada do ciclo político que culminou com a
recente derrota eleitoral nas Legislativas e lança a ideia de que é essencial
restabelecer o diálogo interno, mobilizar todas as forças militantes e definir
um novo rumo para a recuperação da influência política e social da esquerda na
sociedade portuguesa.
Segue o texto integral da proposta e os/as subscritoras iniciais:
UNIR O BLOCO PARA MUDAR DE RUMO E RECOMEÇAR DE NOVO
O quadro político nacional e internacional mudou drasticamente
- Nada ficará como antes depois da
brutal invasão da Ucrânia pela Federação Russa. Após a crise financeira de
2008 e da crise que dura há mais de dois anos provocada pela pandemia da
Covid-19, com graves consequências sociais, económicas e sanitárias, o
mundo virou todas as atenções para a guerra desencadeada pela Federação
Russa em território europeu. Na Ucrânia foram envolvidos meios humanos e
militares nunca vistos desde a Segunda Guerra Mundial, milhares de mortos
russos e ucranianos, um país destruído e um povo mortificado, uma vaga de
milhões de refugiados, uma intolerável ameaça de guerra e de desastre
nuclear, uma previsível crise económica que voltará a massacrar
socialmente os mais explorados, tremendos impactes dos
bombardeamentos de unidades industriais, como refinarias, na poluição das
águas superficiais e subterrâneas, incêndios que libertam massivamente
substâncias altamente poluentes e devastam ecossistemas e enormes áreas
protegidas. Os crimes de guerra têm de ser investigados e punidos. A
nossa solidariedade com o povo ucraniano, martirizado por esta guerra
iníqua, é inequívoca. O confronto entre a Rússia e os EUA, este secundado
pela União Europeia (UE) e pela NATO, ameaça a segurança de nações e
povos. A guerra quase faz esquecer a emergência climática que não
desapareceu, antes se vai tornando irreversível, continua a destruir
sistemas ecológicos e já se tornou o pano de fundo do nocivo produtivismo
e a dar uma dimensão planetária à crise do capitalismo. Os fatores de
instabilidade da globalização capitalista neoliberal agravaram-se,
repercutem-se duramente nos povos e demonstram estarem a conduzir ao
abismo.
- A situação política mundial
mudou. Na
Europa foi prometido um futuro de paz, mas a ilusão caiu por terra com o
fragor próprio de uma nova guerra. O mito da globalização, apresentado
como uma interdependência com vantagens comparativas equilibradas, ruiu
com a evidência das disputas entre blocos políticos, económicos e
militares em plena afirmação, recorrendo a meios violentos de grande
escala por zonas de influência e controlo. A guerra na Europa, tendo
como palco o inadmissível ataque militar à Ucrânia, não é apenas um
limitado conflito regional. Expressa o declínio da economia e do mundo
unipolar dominado pelos EUA/NATO, que submeteu a Europa e militarizou os
limites da fronteira com a Federação Russa, e da ascensão de potências
hegemónicas a nível global em que, nesta fase, sobressaem os Estados da
Rússia e da China. Em vez do estímulo a uma política de defesa da paz e do
direito internacional, de respeito pelos direitos humanos e de promoção de
todas as formas de cooperação, de conjugação de objetivos para enfrentar a
crise climática, o desemprego e a degradação das condições de vida das
populações, o palco da guerra na Europa promove e incentiva uma nova
corrida armamentista e uma política agressiva e militarista, em choque com
a aspiração dos povos à paz e à segurança.
- A lógica armamentista voltou a
ganhar força na Europa. Esta lógica já é apresentada, sem pudor, pela
corrente atlantista dominante na UE como um desígnio estratégico
prioritário. É a lei do mais forte, da militarização do confronto entre
blocos, da submissão aos interesses dos EUA e da respetiva conceção da
defesa europeia no quadro da NATO, com a imposição do aumento das despesas
militares sobre quaisquer outras despesas públicas. A resolução do
Parlamento Europeu, aprovada por maioria no passado dia 1 de março, que
apela à lógica do reforço militar da NATO na Europa de Leste e à corrida
aos armamentos, devia ter sido rejeitada pelo Bloco. Esta lógica não
evitou a guerra, precipitou-a. A nível nacional, para além da
disponibilização de meios para a região enquadrados na NATO e do envio
direto de armas para a Ucrânia, o ministro da Defesa aproveitou a boleia
da guerra para reafirmar o consenso entre os governos do PS e do PSD, que
transformou as Forças Armadas numa espécie de corpo expedicionário ao
serviço das estratégias imperialistas da NATO e dos EUA, com o aumento do
financiamento militar já nos próximos Orçamentos de Estado, que se fará
inevitavelmente à custa do investimento no SNS, na habitação, na cultura
ou nos direitos e rendimentos da maioria da população. A onda militarista,
a pressão conservadora-neoliberal que agrava as desigualdades e a
austeridade sobre os trabalhadores aproveitam a insegurança provocada nas
populações pela guerra para fazerem caminho.
- O espetro da austeridade
adensa-se com o aumento generalizado dos preços provocado pela escassez de
produtos, nomeadamente alimentares, a crise energética e a especulação. Cerca de uma semana após o
início da guerra, os produtos petrolíferos já atingiam valores históricos
máximos e o preço da eletricidade no Mibel batia um novo recorde em
Portugal e Espanha. A erosão dos salários decorre do crescimento da
inflação e da pressão da legislação laboral que favorece a precariedade,
sobretudo dos mais jovens, condiciona a contratação coletiva e a
atualização dos rendimentos do trabalho. As políticas públicas em Portugal
não acompanharam, em muitos casos até agravaram, as dificuldades
levantadas pela crise da pandemia que ainda subsiste e a pobreza voltou a
aumentar. Mais 400 mil pessoas caíram abaixo do limiar da pobreza (menos
de 60% do rendimento mediano), com aprofundamento do fosso entre ricos e
pobres. As consequências económicas da guerra somam-se às da pandemia e
provocam o agravamento da situação. O patronato português já anunciou o
despedimento de um milhão e cem mil trabalhadores nos próximos anos. A
incógnita sobre o comportamento do BCE torna o quadro do financiamento dos
Estados potencialmente explosivo. A necessidade de uma forte intervenção
pública para combater o empobrecimento não é compatível com a política que
o governo PS, agora com maioria absoluta, adotou para garantir o défice
sujeito ao anunciado regresso aos limites do PEC e à ortodoxia do serviço
da dívida. Os setores mais vulneráveis da sociedade, os trabalhadores, a
juventude presa na teia da precariedade e dos baixos salários, mulheres,
minorias étnicas e imigrantes vão ser duramente atingidos pelo crescimento
das desigualdades e do empobrecimento, numa economia fortemente dependente
dos combustíveis fósseis. A necessidade de medidas de combate à
especulação nos preços da energia e de bens essenciais coloca-se com
urgência. O aumento de 6% este ano no Salário Mínimo Nacional (SMN) está a
ser anulado por uma inflação que já era de 3% antes da guerra e que no
final do 1º trimestre já se aproximava dos 6%. A atualização salarial
prevista pelo Governo para a Função Pública situa-se em 0,9%, uma
referência também para o setor privado, muito abaixo da inflação, o que
determina uma perda dramática de poder de compra dos salários. Em
contrapartida, as empresas do PSI 20 cotadas na Bolsa que, em plena crise
pandémica, fecharam 2021 com lucros na ordem dos 3,5 mil milhões de euros
e pagaram aos acionistas dividendos recorde, preparam-se para novo
crescimento dos lucros à conta da especulação com os preços, da energia à
alimentação. Não houve aumentos salariais no geral da cadeia de produção e
distribuição à escala mundial, no entanto a inflação disparou, o que se
traduz num crescimento dos superlucros especulativos. Combater a
carestia e o empobrecimento reclama forte mobilização social e a exigência
de aumento dos salários que, no mínimo, acompanhe a inflação, o congelamento
dos preços dos bens essenciais e exija a tributação dos lucros
extraordinários e especulativos das grandes empresas da energia e da
distribuição comercial.
- Um novo quadro político
internacional e nacional exige novas soluções. O Bloco tem de desempenhar um
papel central na mobilização popular para a resistência à austeridade e
aos retrocessos sociais e ambientais. Responsáveis governamentais da UE já
dão como certa a travagem nas medidas de transição energética, para
proteger os lucros das empresas que utilizam combustíveis fósseis. O lóbi
da energia nuclear também se agita e aproveita a Taxonomia Verde, aprovada
pela Comissão Europeia, para se colocar como alternativa energética. A
situação mudou, há um novo quadro político internacional e nacional, e a
resposta do Bloco tem de considerar a nova situação, incorporar as lições
da falta de ligação aos movimentos e às lutas sociais, de uma linha
baseada na procura de acordos com o PS que conduziu a sucessivas derrotas
eleitorais. É preciso urgentemente envolver todo o partido no debate
sobre as respostas imediatas, não só nas instituições, mas sobretudo na
defesa dos serviços públicos, nas lutas para alterar a legislação laboral
e enfrentar os ataques aos direitos e aos rendimentos dos trabalhadores nos
diversos setores, no público e no privado, na exigência de medidas
urgentes de adaptação às alterações climáticas e de descarbonização da
economia garantindo postos de trabalho, de defesa da descentralização
participada e de combate às assimetrias territoriais. O Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR), no contexto do quadro financeiro
plurianual 2021-2027, tem a pretensão de mascarar por algum tempo o
declínio que a Moeda Única está a impor aos países da periferia, como
Portugal, manietados pelo colete de forças da União Económica e Monetária.
Os interesses do setor privado comandam a aplicação dos fundos do PRR. O
espaço para a despesa social é meramente residual, e o investimento na
recuperação e valorização de ativos públicos é praticamente proibido, nomeadamente
no SNS, nos transportes ou na transição energética que necessitam de uma
estruturada intervenção pública. Compete à Convenção Nacional
definir um novo rumo e uma alternativa política ao neoliberalismo num
quadro de mudanças profundas catalisadas pela guerra na Europa.
O traço comum num ciclo de perda de influência política
- As recentes eleições
Legislativas de 30 de janeiro constituíram o culminar de um ciclo de
eleições iniciado em 2019 em que o Bloco colocou como objetivo central,
invariavelmente, constituir-se como parceiro privilegiado para uma maioria
parlamentar de suporte à governação PS ou até parceiro de um governo
enquadrado pelos tratados da UE. Os resultados são conhecidos: perdas eleitorais
sucessivas, diminuição da representatividade e menores condições para a
luta política de oposição, de apoio aos movimentos e de combate à direita
e à extrema-direita. Esta sucessão de derrotas torna evidente que não
podem ser assacadas responsabilidades apenas e de forma superficial a cada
uma das conjunturas. Há um traço comum: a linha política de permanente
apelo a uma aliança com o PS com diluição das bandeiras que foram
essenciais na afirmação do Bloco.
- O Bloco, que até à legislatura
2015-2019 procurou ligar-se a algumas das grandes lutas sociais e marcar
com propostas que o identificavam, tornou-se cada vez mais orientado para
a ação parlamentar e para intermináveis negociações de suporte a um
governo que oscilava entre a direita e o chamado centro-esquerda. Para muitos eleitores havia a
perceção de o Bloco fazer parte de uma coligação de governo, afastando-se
das lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Deixava de “correr
por fora” e concentrava-se política e organizativamente, com a
desvalorização das organizações locais bloquistas, degradação da
democracia interna, da participação e da pluralidade, em “correr por dentro”,
concretizando a linha de que as mudanças só são alcançáveis nas
instituições e na estrita submissão às suas regras. A ideia de que assim
deslocaria o PS para a esquerda e alcançaria melhorias para a população
criou uma espécie de cultura “geringoncista” que diluiu a radicalidade
identitária que fez crescer o Bloco, retirando acutilância às bandeiras
políticas do Bloco e impedindo-o de polarizar à esquerda. O caso mais
evidente foi o abandono das alterações à legislação laboral da troika como
linha vermelha e condição necessária, reconhecidamente estruturante do
profundo e crescente desequilíbrio entre trabalho e capital.
- Votar contra o OE 2022 foi um
passo insuficiente, uma vez que toda a linha política era incoerente e
ziguezagueante face à insistência no essencial da orientação que punha no
centro da ação do BE um acordo para apoio à governação PS. Chegou a ser
pedido ao PS, em plena batalha eleitoral, um “acordo forte” e um “acordo
de legislatura a ser assinado dia 31 de janeiro” – sem qualquer suporte em
linhas vermelhas bem definidas, sem apoios nos movimentos e nas lutas
sociais. Neste
quadro e após a clarificação de António Costa de que não queria fazer um
acordo à esquerda, muitos eleitores de esquerda rejeitaram aquela linha
contraditória. Equacionaram que se tudo se resumia a apoiar um
governo de centro-esquerda, e perante a ameaça da extrema-direita, a opção
mais lógica e que entenderam mais segura foi votar no que consideraram ser
o centro-esquerda de facto. A insegurança nas vidas de largos sectores da
população, o aumento da pobreza e das dificuldades de acesso a serviços
públicos, agravaram este quadro que não teve resposta consistente à
esquerda. A manobra defendida pelo secretariado nacional de que o
Bloco teria de continuar a defender a “geringonça”, não se afirmar como
oposição e fazer parte da viabilização do primeiro OE, pelo menos, para
ganhar os eleitores do BE e só depois poder eventualmente confrontar o PS,
demonstrou-se uma infantilidade tática e um erro de consequências graves.
- Para as Legislativas
antecipadas, o Bloco precisava de se ter preparado e ter sido, há muito,
claro e frontal no seu projeto de sociedade, programa e política de
alianças, com uma linha coerente com o chumbo dos OE’s, em vez de se ter deixado
diluir num “geringoncismo” serôdio. Compromisso futuro exigiria definição
e clarificação de linhas vermelhas: reversão das medidas anti laborais da
legislação, aumentos dos salários e das pensões dignos, serviços públicos
valorizados e um plano social para a transição energética – não aceitar
perda de emprego e de direitos em nome de uma falsa descarbonização.
Seriam as linhas vermelhas que confeririam identidade, recusavam o
tacticismo, confrontavam o PS e a direita, e fortaleceriam o Bloco e a
esquerda na resistência às pressões bipolarizadoras.
- A capacidade explicativa para a
derrota eleitoral baseada no voto contra o OE é, só por si, muito limitada. Repare-se que o PAN, que não
votou contra o OE, não conseguiu evitar com isso perder metade dos
eleitores e acabar reduzido a uma deputada. Se o essencial dependesse de
um apoio à proposta de OE, o PAN teria tido um bom resultado eleitoral. O
problema não foi rejeitar um OE, mas enfatizar como grande objetivo
eleitoral conseguir um acordo com o mesmo partido que apresentou a
proposta de OE que o Bloco tinha acabado de recusar. Os sinais foram
contraditórios e a campanha não conseguiu responder à perplexidade e
incompreensão criadas em amplos setores da população.
- A bipolarização
(artificializada) pressionou o voto útil, à esquerda e à direita, mas só
teve efeitos críticos à esquerda. Não era inevitável que esse fenómeno tivesse de
atingir tão duramente a esquerda, como não atingiu a direita. Nas
legislativas de 2002 (Ferro Rodrigues vs. Durão Barroso) e de 2015 (Passos
Coelho vs. António Costa), em que o chamado voto útil exerceu forte
pressão sobre os eleitores à esquerda e à direita, o Bloco resistiu e
cresceu. Em 2015 obteve o melhor resultado de sempre. Agora, em 2022, não
teve essa capacidade de resistir à bipolarização e perdeu 14 dos 19
deputados que tinha. A campanha do Bloco voltou a afundar-se na discussão
sobre a reedição de um qualquer novo tipo de “geringonça” que tem vindo a
potenciar a concentração de votos no PS, como os estudos de opinião já
indicavam antes das sondagens que davam “empate técnico” entre PS e PSD.
- Todos os objetivos eleitorais
apontados pelo Bloco não foram alcançados: manter-se como 3º partido,
impedir uma maioria absoluta do PS, derrotar a extrema-direita e conseguir
sentar António Costa à mesa das negociações para um acordo de
legislatura. A derrota eleitoral expôs a falência de uma linha
política que propiciou a via de António Costa para capitalizar os louros
da “geringonça”, alimentar a chantagem para secar a esquerda e conquistar
a maioria absoluta que perseguia desde 2018. A derrota eleitoral à
esquerda é o corolário de uma sucessão de perdas eleitorais ao longo do
ciclo político iniciado em 2019. A explicação não pode ser encontrada
apenas em fatores conjunturais e nas circunstâncias que envolveram cada
ato eleitoral. Tal não seria um balanço sério. Também não se resolve com a
demissão deste ou daquela dirigente. O problema é mais profundo e
prende-se com a própria linha política que determinou a forma de
comunicação e com a centralidade dada à ansiedade de concretizar um acordo
com o PS para os próximos quatro anos. Estes fatores trouxeram a esquerda
até esta nova derrota e não podem deixar de ser avaliados com
profundidade, humildade e coragem, para uma necessária e inadiável mudança
de rumo. Compete à Convenção Nacional fazê-lo, constituindo uma grave
entorse à democracia interna poder considerar que uma Convenção é
substituível por uma Conferência sem representação democrática e
proporcional das propostas e sem capacidade deliberativa.
- Não retirar consequências dos
resultados eleitorais obtidos configura uma atitude de arrogância política
inadmissível num partido de esquerda que pretende responder à vontade
popular. É
essencial retirar conclusões do ciclo de derrotas, ter uma atitude autocrítica
que será popularmente valorizada e começar a construir um caminho de
polarização à esquerda, porque quem não polariza perde sucessivamente. Um
Bloco mobilizado na afirmação do seu programa e claro na definição das
suas linhas vermelhas não significa qualquer atitude isolacionista. O que
isolou e fragilizou a resistência à bipolarização foi o afunilamento do
discurso nas alianças com o PS. Tudo isto foi sendo paulatinamente
desvalorizado nos últimos anos, aproximadamente desde meados da legislatura
2015-2019 quando o Bloco optou por não confrontar o PS com o desafio de um
caderno de encargos com novos objetivos até ao final da legislatura,
quando começava a ser evidente que António Costa já preparava o golpe
contra a esquerda. Em vez disso, a opção de então foi ir às Legislativas
de 2019 com um programa único: uma nova aliança com o PS. Em 2022
repetiu-se. Os resultados desta linha são conhecidos.
- As prioridades afirmam-se com
determinação e não se submetem nem podem depender de acordos de governação. Ganham amplitude na
defesa da dignidade das condições laborais e na exigência de revogação da
legislação que as diminui, no reforço do investimento nos serviços
públicos, em especial no depauperado SNS, na proposta de um serviço
nacional de habitação pública que garanta transversalmente o direito à
habitação e impeça os despejos de famílias sem alternativa habitacional,
nas respostas à emergência climática sem prejudicar os direitos dos
trabalhadores, na urgência da Regionalização como instrumento para a descentralização,
aprofundamento da democracia com comunidades empoderadas, economias locais
com circuitos curtos de produção e distribuição. A crítica à UE neoliberal
não pode ficar subsumida nos apelos para alianças de maioria, desde logo a
exigência da libertação do garrote da dívida e do sistema financeiro sobre
a capacidade de aplicação dos recursos públicos.
- Na previsão de quatros anos de
maioria absoluta do PS, o Bloco deve assumir-se como oposição parlamentar
influente, mobilizadora e não apenas fiscalizadora, tendo como objetivo principal
deslocar a sua ação política para fora, exprimir anseios e reivindicações
dos movimentos sociais, organizar a intervenção no movimento laboral,
lutar por uma transição energética que diminua a emissão de GEE, promova a
democratização da produção e o autoabastecimento de energia, a formação de
comunidades energéticas locais, privilegie e apoie as agendas e
iniciativas de base e locais.
- O objetivo da construção de uma
sociedade socialista e ecologicamente justa – ecossocialista – tem de ser
desenvolvido e estar presente na comunicação do Bloco. Lutar por reivindicações
imediatas é necessário, mas redutor e insuficiente. O Bloco deve apresentar-se
como elemento-chave para uma alternativa à esquerda, enquadrada por um
projeto de sociedade de superação do capitalismo, contra a exploração e
todas as formas de desigualdade e discriminação, antirracista e anti
neocolonial, pela igualdade e pela eliminação da violência doméstica e de
género, defensora dos direitos LGBTQI+, que mobilize jovens,
trabalhadores/as e todos os setores mais avançados nas lutas pela justiça
social e ambiental.
Resgatar a pluralidade, a descentralização e a democracia interna para a
mobilização participativa
- O secretariado nacional optou
pela realização de uma Conferência Nacional para discutir o “Rumo
Estratégico do Bloco de Esquerda”, o que denota que tem consciência de que
os aderentes e militantes sentem a necessidade de alterar o rumo
estratégico do partido para o que será necessário, obviamente,
fazer previamente o balanço político do anterior “rumo estratégico”, ao
contrário do que tem sido defendido pelo secretariado nacional,
agarrando-se à justificação da brutal derrota eleitoral, antecedida das
perdas eleitorais nas legislativas 2019, nas presidenciais e autárquicas
de 2019, por razões circunstanciais.
- A orientação política que
conduziu o partido aos resultados de 30 de janeiro, reforçada pelas
alterações no quadro político internacional e nacional e o agravamento da
situação social, económica e ambiental, é razão para a necessidade de
discutir o rumo estratégico do Bloco de Esquerda. Sem desvalorizar qualquer
outra forma de debate prevista nos Estatutos, o “Rumo Estratégico do Bloco
de Esquerda” só poderá ser definido no âmbito de uma Convenção Nacional,
na base de um processo de discussão organizado em todo o partido e de
eleição democrática proporcional de delegados entre todas as moções que se
apresentem para proporem a “Definição do Rumo Estratégico”. Quem alega que
a Convenção vira o partido para dentro, está em contradição com a
evidência do que se tem passado em convenções anteriores, onde sempre
existe uma ampla comunicação das renovadas propostas do Bloco ao país e o
seu reforço político junto da opinião pública. Torna-se insensato e
temeroso considerar negativa a realização da maior reunião pública do
Bloco, o órgão máximo da democracia bloquista.
- A Conferência Nacional, por
evidente incompatibilidade estatutária e democrática, não pode definir o
novo rumo estratégico do Bloco. No entanto, pode e deve, a partir de um balanço
político sério e de fundo, ser a rampa de lançamento da exigência
fundamentada de que a necessária definição de um novo rumo venha a ser
feita em instância própria, ou seja, a Convenção Nacional. Esse novo rumo
deve incluir o resgate da pluralidade, da promoção da cooperação entre
sensibilidades, da descentralização e do inteiro respeito pelos órgãos
estatutários, dos núcleos à comissão política, do trabalho de enraizamento
na base e da democracia que torne a vida interna do Bloco mobilizadora e
inspiradora, expurgada de intriga, ataques pessoais e exclusões. A
usurpação das funções da comissão política pelo secretariado nacional –
que não é um órgão estatutário e por isso não se obriga a ser
representativo da pluralidade da Comissão Política e da Mesa Nacional – é
um grave sintoma da democracia limitada que se verifica no Bloco.
- O Bloco corre o risco de ver
todo o seu importantíssimo património político, cultural e moral ser
alienado com a
continuidade da política de aproximação ao PS numa estratégia de
participação, agora a mais longo prazo do que em 2015, num governo
neoliberal de fachada social-democrata, sujeito aos tratados da UE, em vez
de reforçar a capacidade do Bloco para contribuir para o desenvolvimento
do movimento social e da luta dos trabalhadores com a finalidade de
promover uma profunda alteração do quadro político e a afirmação dum
projeto popular ecossocialista. Os tempos que se seguem vão ser de luta
não só contra a maioria PS e a guerra imperialista, mas, e por
isso mesmo, pela recondução do Bloco à sua matriz fundadora.
*
Subscritores/as
iniciais:
| Acácio Pinheiro |
Adelino Granja | Adriano Zilhão | Alberto de Sousa e Silva | Alexandre Café |
Alexandre Carneiro | Ana D’ Espiney | Ana Penas | Ana Sartóris | Ana Sofia
Cortes | Ana Sofia Ligeiro | António Delgado | António Joaquim Soares da Luz |
António Manuel Bidarra Fernandes | António Ricardo | Bento Correia | Bruno Candeias
| Bruno Miguel Parada Gonçalves | Carlos Marecos | Carlos Marques | Carlos
Matias | Carlos Patrão | Conceição Anjos | Diogo Miguel Pinto Borges |
Domicilia Costa | Elisa Antunes | Esmeralda Correia Mateus | Fernando Bessa
Ribeiro | Fernando Castro | Francisco Amorim | Francisco Tomás | Gabriela Mota
Vieira | Higino Maroto | Irene Conceição | João Conceição | João Luís | João
Madeira | João Manuel Campos Marques | João Oliveira | João Paulo Pinto
Carvalho | Jorge Nicolau Sousa Lourenço | Jorge Santana | Jorgete Teixeira |
José Bastos | José Carlos Lopes | José Carlos Soares | José Manuel do Carmo |
José Santana Henriques | Leandro Pires | Liberato Almeida | Luís Gabriel
Pereira | Luís Gomes | Luís Mouga Lopes | Luís Pereira | Manuel Canelas |
Manuel Carlos Silva | Manuela Fonseca | Manuela Tavares | Maria da Luz Alves
Leonor | Maria da Luz Lopes | Maria José Magalhães | Marina do Carmo | Mário
Fonseca | Mário Oliveira | Mário Tomé | Miguel Cabral | Nuno Onça | Paula
Bastos | Paulo Cardoso | Paulo Gonçalves | Paulo Ricardo | Pedro Soares |
Ricardo Barata | Rogério Ferreira | Roberto Tavares | Rogério Pinto | Rui
Cortes | Rui Sá | Sílvia Carreira | Victor Santos | Vítor Barros | Vítor
Tojeira |
CONVERGÊNCIA21 DE ABRIL DE
2022
ESPALHEM A NOTÍCIA...
Comentários
Enviar um comentário