A propósito da proposta de delimitação da ARU Custóias: a quem serve, afinal?!


 

 Este fenómeno em rápido crescimento, de definição de novas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), suscita muita dúvidas, não porque discordemos da abertura de novas áreas de reabilitação urbana, antes pelo contrário, mas porque não estão claros os objetivos perseguidos pelo Executivo municipal de Matosinhos com o início de uma nova operação urbanística em Custóias.

O conceito de reabilitação urbana surge com a necessidade de dar resposta às marcas deixadas ao longo do tempo por uma política que deu prioridade à construção de edificação nova, frequentemente ligada à aceleração dos processos especulativos no imobiliário, negligenciando grande parte do património já existente nesses territórios, tendo como resultado o abandono e degradação do edificado existente e do espaço público que o envolve.

“Por área de reabilitação urbana, designa-se a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana.”[1]

Há centenas de operações de reabilitação urbana aprovadas pelos municípios do país. Em Matosinhos já vamos na décima. Porém, não será difícil constatar que os beneficiários são normalmente os mesmos.

O que motiva realmente o surgimento de tantas áreas de reabilitação urbana? E qual é o efetivo ganho para as pessoas, das várias classes sociais, em particular as de menores recursos, com a criação destas ARU? Para nós, estes critérios de avaliação são essenciais.

Para além da motivação de definir áreas prioritárias de intervenção, de reabilitar tecidos urbanos degradados ou em degradação e de estimular os privados a reabilitar o seu património, que é o argumento justificativo mais evidente e usado quando falamos da questão, existe a apetecível motivação para aceder aos mecanismos de financiamento em matéria de reabilitação urbana a que tem acesso o setor imobiliário.

Os financiamentos, mesmo que por via fiscal, ao setor da construção e do imobiliário são desígnios evidentes destas operações. Referem-se a isenções de IMI e de IMT para as operações imobiliárias abrangidas pela ARU. Quanto ao IRS, as vantagens fiscais são aliciantes: tributação de mais-valias à taxa autónoma de 5%, dedução à coleta de 30% dos encargos suportados pelo proprietário, tributação de rendimentos prediais à taxa autónoma de 5% quando os rendimentos sejam inteiramente decorrentes do arrendamento de imóveis, objeto de intervenção de reabilitação, localizados em ARU. Quanto ao IVA, as empreitadas de reabilitação urbana, tal como as de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação ficam sujeitas à taxa reduzida de 6%.

Mas o paraíso tem um preço e lembramos que alguns dos impactes da criação destas áreas são o incentivo ao “fachadismo”, ou seja, uma operação em que se degrada a ideia de reabilitação do património e se opta unicamente pela manutenção da fachada existente de um edifício, demolindo todo o interior, que é integralmente construído de novo, regra geral com o recurso a paredes de gesso cartonado, com a consequente destruição de grande parte do património como gessos, frescos, talhas e outros.

Os promotores, na sua maioria grupos de investidores de capitais estrangeiros à espera de um qualquer visto gold, têm no processo um interesse muito pragmático: profit, ou seja, lucro rápido e especulativo. Invariavelmente, não lhes interessa o valor socio-urbanístico de desenhar e fazer cidade plural e inclusiva ou o legado deixado pelas várias camadas de gerações dos seus habitantes locais.

O recurso à construção nova, tendo como argumento a densificação das áreas urbanas consolidadas, sabemos por experiência própria em Matosinhos que é o negócio do imobiliário que sempre sai por cima.

De resto, a dificuldade em incentivar o pleno direito à habitação para todas as classes de rendimentos, o arrendamento de longa duração, a iniciativa municipal para aumentar a oferta pública de habitação, seja no regime de renda apoiada ou no de renda acessível, são normalmente preteridas e residuais.

Torna-se em geral residual o objetivo da reabilitação do espaço público urbano, a criação de infraestruturas sociais e culturais, a promoção do transporte público, as medidas de mobilidade suave e de novos espaços verdes para melhorar a qualidade de vida urbana para todos e o combate às alterações climáticas, o investimento em habitação pública com renda apoiada ou acessível, com um real número de casas que dê resposta às necessidades das pessoas e não apenas do tipo “5 casas a concurso”, como recentemente foi feito,

Estamos de acordo com novas áreas de reabilitação urbana, mas exigimos que os objetivos sejam claros e que fique evidente quem são os principais beneficiários com o bodo dos incentivos dados com dinheiro público. Infelizmente, não foi isto que aconteceu, mais uma vez, na última Assembleia Municipal de Matosinhos com a proposta da ARU de Custóias.

* Sílvia Carreira (Deputada Municipal do BE)

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[1] https://www.portaldahabitacao.pt/area-de-reabilitacao-urbana

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