TRABALHO TEMPORÁRIO, UMA VISÃO

Caros amigos e caras amigas, escrevi, há alguns anos, um artigo sobre trabalho temporário que considero interessante divulgar no nosso blogue para reflexão. Para o efeito, procedi a algumas actualizações. Ainda assim, deixaria a provocação: não se manterá, no essencial, actual?

O trabalho temporário é um modelo de contratação desregulada e precária cuja utilização o patronato tem vindo a recorrer crescentemente. 

Como todos sabemos, o trabalho temporário é "a situação em que uma empresa coloca, a título oneroso e por tempo limitado — mas em muitos casos eterniza-se — a outra empresa, a disponibilidade da força de trabalho de certo número de trabalhadores que ficam funcionalmente integrados/as na empresa utilizadora." (OIT/OCDE)

Por outro lado, são as próprias empresas de trabalho temporário a afirmar: "o recurso ao trabalho temporário tem de ser encarado cada vez mais como uma opção de futuro, uma vez que permite flexibilizar e dotar as organizações de estruturas polivalentes." (Miguel Figueiredo, do Banco Financia)

O modelo triangular destas relações, onde são parte a ETT (empresa de trabalho temporário), o trabalhador temporário e a empresa utilizadora do trabalho, com contratos autónomos, o contrato de trabalho celebrado entre a ETT e o trabalhador e o contrato de prestação de serviços celebrado entre a ETT e a empresa utilizadora, suscita várias questões, desde logo, por não ser claro para o trabalhador qual a entidade perante a qual responde. Por outro lado, esta modalidade contratual surge associada a baixos salários, a comportamentos e procedimentos contratuais ilegais, insegurança, descontinuidade do rendimento e fracos benefícios sociais. 

Muitas destas empresas gerem um volume avultado de negócios em que a precariedade, insegurança, medo e instabilidade predominam. 

Acresce referir que grandes grupos económicos criam empresas de trabalho temporário como instrumento de mão-de-obra barata e precária para a colocar nas suas empresas e utilizam-no como força de trabalho por interposta empresa. 

Esta é uma forma ardilosa de recurso à subcontratação de empresas que permite a separação entre o empregador jurídico e o empregador económico, e lhes permite, impunemente, estabelecer ritmos de trabalho atípicos, sem protecção e com direitos diminuídos. 

A esmagadora maioria dos trabalhadores das empresas de trabalho temporário estão sujeitos a horários e ritmos de trabalho muito intensos, muitas vezes sem condições de higiene, saúde e segurança no trabalho. Há uma elevada sinistralidade e um número significativo de doenças profissionais comparativamente com demais trabalhadores. 

Constata-se que a generalidade dos trabalhadores com contrato de trabalho temporário não tem organização de trabalho e de horário de trabalho regulados e são classificados nos mais baixos níveis ou graus estabelecidos nas convenções colectivas. Há casos em que nem esses níveis baixos são respeitados, auferem um salário inferior, igual ou ligeiramente superior ao salário  mínimo nacional, qualquer que seja o seu grau académico, aptidão ou certificação profissional, quando deveriam ter as mesmas condições e auferir os salários contratualmente previstos ou praticados pela empresa utilizadora. 

Há muitos jovens e mulheres sujeitos a este regime precário e flexível. Formam uma oferta de mão-de-obra apetecível para muitos sectores que "sabiamente" exploram todas as fragilidades da actual realidade, impondo regras que fazem lembrar a escravatura. 

A precarização é um instrumento de desqualificação e desclassificação do saber-fazer que as empresas de trabalho temporário utilizam até à exaustão. 

A subjugação destes trabalhadores, fundamentalmente jovens e mulheres, é exercida através desta modalidade de contratação, atentatória da segurança no emprego e que desvaloriza a qualificação dos trabalhadores e constitui um instrumento de mão-de-obra barata e precária. 

Os contratos estipulam vínculos por dias, semanas e meses sem qualquer protecção ou estabilidade. Há casos em que os períodos de trabalho são apenas de 1 a 3 horas diárias e são impostos tempos e períodos de trabalho muito curtos ou excessivamente alargados. 

As mulheres, jovens e demais trabalhadores sujeitos ao contrato de trabalho temporário são submetidos, como já referi, a contratos com uma curta duração de vigência ao desempenho das tarefas mais desconsideradas e a que não estão obrigados. Sentem-se usados, tornam-se simples objectos intermutáveis e deslocáveis consoante as necessidades, necessidades que lhes escapam totalmente, sujeitando-se a todas as pressões e exigências, sem poder expressar a menor reacção. 

Na realidade, as empresas de trabalho temporário recorrem à pseudo legalização da precariedade, recorrendo a contratos de trabalho sem indicação dos motivos atendíveis e sem fundamentação adequada. 

Estas empresas transformam a contratação em horas, dias, meses e anos como regra e não excepção, numa clara violação das normas constitucionais, legais e contratuais. 

É de salientar que estas empresas não cumprem o estipulado nos contratos colectivos de trabalho específicos e no Código de Trabalho relativamente a salários, férias, subsídios de férias e de Natal, trabalho nocturno, suplementar, feriados, subsídio de alimentação e formação profissional.

Muitas delas não cumprem os pressupostos, deveres e formas de contratação e de utilização de trabalho reguladas pelas normas do trabalho temporário. 

Algumas delas não enviam, regularmente, os descontos para a Segurança Social e os impostos para as finanças, com graves consequências e prejuízos para a protecção dos trabalhadores. 

Há ainda quem declare valores salariais que não correspondem aos pagos (fugindo ao fisco e ao regime da Segurança Social) deixando os trabalhadores, nomeadamente, em caso de doença e desemprego em situação muito difícil. 

Outras, ainda, não permitem que os trabalhadores tenham dois dias de descanso semanal e impõem cargas horárias de trabalho elevadas sem quaisquer condições ou contrapartidas. 

Saliento, por outro lado, que muitos trabalhadores, para não dizer a quase totalidade, não usufruem os direitos dos demais trabalhadores apesar de serem obrigados a cumprir tarefas, funções e estarem sujeitos a subordinação jurídica e a sanção disciplinar e aos horários determinados pelas empresas utilizadoras, que nem sempre correspondem aos previstos nos contratos assinados. 

Grande parte das empresas de trabalho temporário viola sistemática, premeditada e impunemente as próprias normas em vigor. 

A intervenção dos serviços da inspecção de trabalho não tem sido eficaz e consequente contra as práticas ilegais de grande parte das empresas de trabalho temporário. 

As empresas utilizadoras não efectuam, directa ou formalmente, a retribuição aos trabalhadores das empresas de trabalho temporário, são elas que, directa ou indirectamente, tiram benefícios da actividade funcional desses trabalhadores. Estamos perante o recurso ao trabalho temporário para tarefas continuadas, permanentes e regulares das empresas utilizadoras. 

O capital e os partidos que o sustentam sempre pretenderam e tomaram medidas para tornar a precariedade legal e o recurso à contratação temporária como regra, facilitando a desregulação e os despedimentos. 

Como se pode depreender da minha breve análise, o trabalho temporário é uma chaga, em Portugal, agravada por outras formas de contratação atípicas. 

Muitos trabalhadores recorrem aos Sindicatos, ACT e ou advogados já numa situação enfraquecida e, em alguns casos, sem qualquer hipótese de poderem garantir os seus direitos e créditos (as empresas abrem e encerram constantemente, mudam de denominação e de sede, não têm o alvará legalizado e regularizado, deixando os trabalhadores totalmente desprotegidos) acrescida, ainda, das dificuldades de recurso aos tribunais pelo actual regime de "apoio judiciário". 

No dia-a-dia, esta é a realidade de muitos trabalhadores: - direitos desrespeitados, limites de horários de trabalho violados, baixos salários e ritmos de trabalho elevados. 

Hoje, as empresas de trabalho temporário contratam trabalhadores temporários para os ceder a terceiros de forma indiscriminada e não regulada.

Não há consonância entre o motivo e o prazo, as necessidades e o recurso a este tipo de mão-de-obra é uma prática em muitos sectores. 

Todos os dias somos confrontados com mais um caso dramático de despedimento e violação dos direitos de trabalhadores temporários. 

Para muitas empresas, o trabalho temporário é um instrumento de mão-de-obra barata cujos lucros atingem verbas avultadas e que derivam da diferença entre o que pagam aos trabalhadores e o que cobram ao cliente (muitas vezes, como já disse, são uma e a mesma entidade patronal!!?) por prestar esse trabalho. Na prática, são empresas sem qualquer actividade produtiva, que não criam emprego relevante, para além dos próprios e magros quadros de pessoal (quando os têm). 

Devemos todos lutar contra o recurso abusivo à contratação temporária, defender uma regulação restritiva, uma fiscalização exigente e denunciar, firme e consequentemente, a utilização, crescente, deste tipo de contratação. 

É imprescindível que o trabalho temporário mereça uma atenção redobrada e, sobretudo, uma campanha forte de denúncia e luta contra a sua utilização. 

27 de setembro 2021
António Neto

Quem quiser a profundar a questão articulando com a precariedade, pode também ler o artigo no Via Esquerda, de João Fraga de Oliveira no link:

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