Cuba: Um grito
21/07/2021 POR LEONARDO
PADURA *
Parece muito possível
que tudo o que aconteceu em Cuba, desde domingo 11 de julho, tenha sido
incentivado por um número maior ou menor de pessoas contrárias ao sistema,
algumas delas até pagas, com o intuito de desestabilizar o país e provocar uma
situação de caos e insegurança. Também é verdade que mais tarde, como costuma
acontecer nestes eventos, ocorreram atos oportunistas e lamentáveis de
vandalismo. Mas penso que nenhuma das evidências tira um pingo de razão ao
grito que ouvimos. Um grito que é também o resultado do desespero de uma
sociedade que atravessa não só uma longa crise económica e uma crise sanitária
pontual, mas também uma crise de confiança e uma perda de
expectativas.
A este protesto
desesperado, as autoridades cubanas não deviam responder com os habituais
slogans, repetidos há anos, nem com as respostas que essas autoridades desejam
ouvir. Nem mesmo com explicações, por mais convincentes e necessárias que
sejam. O que se impõe são as soluções que muitos cidadãos esperam ou exigem,
uns manifestando-se na rua, outros opinando nas redes sociais e expressando a
sua deceção ou discordância, muitos contando os poucos e desvalorizados pesos
que têm nos seus empobrecidos bolsos e muitos, muitos mais, fazendo filas em
resignado silêncio ao longo de várias horas ao sol ou à chuva, com pandemia
incluída, filas nos mercados para comprar comida, filas nas farmácias para
comprar medicamentos, filas para chegar ao pão nosso de cada dia e para tudo o
que se possa imaginar e que possa ser necessário.
Penso que ninguém com um mínimo de
sentimento de pertença, com sentido de soberania, com responsabilidade cívica
pode querer (ou mesmo acreditar) que a solução para estes problemas venha de
qualquer tipo de intervenção
estrangeira, muito menos de natureza militar, como alguns chegaram a pedir, e que,
também é verdade, representa uma ameaça que não deixa de ser um cenário
possível.
Creio além disso que
qualquer cubano dentro ou fora da ilha sabe que o bloqueio ou embargo comercial
e financeiro dos Estados Unidos, como queiram chamá-lo, é real e se
internacionalizou e se intensificou nos últimos anos e que é um fardo demasiado
pesado para a economia cubana (como seria para qualquer outra economia). Quem
mora fora da ilha e hoje quer ajudar os seus familiares que estão no meio de
uma situação crítica, puderam constatar que é real e quão real é ao verem-se
praticamente impossibilitados de enviar uma remessa para os seus familiares, só
para citar uma situação que afeta muitas pessoas. É uma política antiga que,
embora às vezes alguns esqueçam, praticamente todo mundo condenou por muitos
anos em sucessivas assembleias das Nações Unidas.
E não creio que alguém
possa negar que também foi desencadeada uma campanha mediática na qual, mesmo
das formas mais grosseiras, foram divulgadas falsas informações que, ao fim e
ao cabo, só servem para diminuir a credibilidade de seus gestores.
Mas acredito,
juntamente com tudo o que foi dito acima, que os cubanos precisam de recuperar
a esperança e ter uma imagem possível do seu futuro. Se se perde a esperança,
perde-se o sentido de qualquer projeto social humanista. E a esperança não se
recupera pela força. Resgata-se e alimenta-se com soluções, mudanças e com
os diálogos sociais, que, por não
chegarem, causaram, entre tantos outros efeitos devastadores, os anseios
migratórios de tantos cubanos e agora provocaram o grito de desespero de
pessoas entre as quais certamente houve gente paga e delinquentes oportunistas.
Mas nego-me a acreditar que no meu país, por esta altura, possa haver tanta
gente, nascida e educada entre nós, que se venda ou entregue à delinquência.
Porque se assim fosse, esse seria o resultado da sociedade que os criou.
A maneira espontânea,
sem estar presa a nenhuma liderança, sem receber nada em troca ou roubar nada
pelo caminho, com que uma quantidade notável de pessoas se manifestou nas ruas
e nas redes, deve ser um alerta e penso que é uma amostra alarmante das
distâncias que se abriram entre as principais esferas políticas dirigentes e a
rua (e isso até foi reconhecido pelos dirigentes cubanos). E só assim se
explica que tenha acontecido o que aconteceu, sobretudo num país onde quase
tudo se sabe quando se quer saber, como todos também sabemos.
Muito menos se pode
usar como argumento convincente a resposta violenta.
Para convencer e
acalmar os desesperados, o método não pode ser as soluções da força e da
obscuridade, como impor o apagão digital que cortou as comunicações de muitos
durante dias, mas que não impediu as ligações de quem quer dizer alguma coisa,
a favor ou contra. Muito menos se pode usar como argumento convincente a
resposta violenta, especialmente contra pessoas não violentas. E já se sabe que
a violência pode não ser apenas física.
Muitas coisas parecem
estar em jogo hoje. Talvez até saber se depois da tempestade vem a bonança.
Talvez os extremistas e fundamentalistas não consigam impor as suas soluções
extremistas e fundamentalistas, e não se enraíze o perigoso estado de ódio que
tem crescido nos últimos anos.
Mas, em qualquer caso, é necessário que
cheguem soluções, respostas que não sejam apenas de natureza material, mas
também de natureza política, e assim uma Cuba inclusiva e melhor possa
responder às razões deste grito de desespero e perda da esperança que muitos
dos nossos compatriotas, silenciosamente, mas com força, vinham dando desde
antes de 11 de julho. Aqueles lamentos que não foram ouvidos e de cujas chuvas
surgiram estas lamas.
Como cubano que vive
em Cuba e trabalha e acredita em Cuba, assumo que tenho o direito de pensar e
exprimir a minha opinião sobre o país em que vivo, trabalho e onde acredito.
Sei que em momentos como este e ao tentar exprimir uma opinião, costuma
acontecer que se diga “Você é sempre reacionário para alguém e vermelho para
alguém”, como disse Claudio Sánchez Albornoz. Eu também assumo esse risco, como
homem que pretende ser livre, que espera ser cada vez mais livre.
Em Mantilla, 15 de
julho de 2021.
* Artigo do escritor
cubano Leonardo Padura, publicado em La Joven Cuba. Tradução de Carlos
Santos para esquerda.net
Foto Principal: La
Joven Cuba
Destaques da
responsabilidade de Via Esquerda
CATEGORIASATUALIDADEETIQUETASCUBA, DIREITOS HUMANOS, DIREITOS LABORAIS, INTERNACIONAL
Admiro profundamente Che Guevara e Fidel Castro. Claro que não é a intervenção de qualquer outro país que vai resolver a situação difícil de Cuba. Até porque, além de que seria uma inaceitável ingerência nos assuntos internos de um País que tem dado LIÇÕES DE VIDA a muitos países supostamente civilizados e evoluídos, só serviria para tomarem Cuba de assalto, e escravizaram o Povo Cubano. É essa a pretensão dos Estados Unidos: colocar lá um homem da sua confiança, e tornar Cuba uma estância de férias para os americanos.
ResponderEliminarTêm tentado fazê-lo com o bloqueio, mas nunca conseguiram, nem conseguirão levar a sua por diante.
Viva Cuba!
Hasta la Victoria siempre.