FORMAR PROFESSORES/AS – PREPARAÇÃO, DEDICAÇÃO, PAIXÃO
Ser professor tem de ser uma paixão,
pode ser uma paixão fria,
mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação.
A formação inicial de professores/as não é a última etapa de um percurso académico, mas o primeiro passo de um caminho profissional. Esta consideração é importante, e entendê-la, e aceitá-la como ponto de partida distingue, ou deveria distinguir, o ponto de vista sindical - e de um modo geral dos/as profissionais - sobre as políticas e as práticas de formação inicial de professores/as.
Várias/os
investigadores/as defendem um período probatório de indução profissional. A formação docente, desde logo a inicial, deve assumir uma forte componente
práxica – reflexão entre teoria e prática, centrada na aprendizagem
das/os alunos/as e no estudo de casos concretos, tendo como referência o trabalho
escolar.
A formação de
professores/as deve passar para «dentro» da profissão, isto é, deve basear-se
na aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos/às
professores/as mais experientes um papel central na formação das/os mais
jovens. Têm de ser as/os profissionais desta área a decidir e a determinar
o quê, como e quando as/os futuros/as docentes devem aprender antes de entrar
na profissão (a exemplo das profissões médicas, de enfermagem...).
Contributos como os de
António Nóvoa (1) destacam o conhecimento, o tacto pedagógico, a cultura
profissional, o trabalho em equipa (incluindo também, e cada vez mais, outros
profissionais), o compromisso social, transversais à exigência que se coloca a
quem é docente.
Em que medida é que a
formação inicial corresponde aos desafios que estão colocados, hoje, e ao
perfil do/a aluno/a? Como se articulam a formação inicial e a contínua?
Não tem sentido abordar
a formação inicial de professores/as sem a estruturar de acordo com as
competências necessárias para a prática profissional, e o perfil de professor/a que desejamos e de que, como comunidade, precisamos para sustentar um futuro
melhor. Entendemos a docência como ciência, mas também como arte/ofício,
exigindo:
* Conhecimentos
* Saberes-fazer
* Valores e atitudes
* Ética e deontologia
* Prática e investigação, sendo essencial a relação entre teoria e prática
* Criatividade
Aos e às professores/as
cabe o exercício da agência profissional para potenciar uma educação mais
igualitária. Como afirma Zeichner (1993),
(…) a agência e o conhecimento docentes são, muitas vezes, subutilizados nos sistemas educativos, por todo o mundo; no entanto, encorajando maior agência por parte das/os docentes e potenciando e utilizando o conhecimento coletivo docente, os sistemas educativos podem obter mais sucesso dos/as suas/seus alunos/as e maior equidade.(2)
No que constitui profissionalidade docente, é nuclear a agência dos/as professoras/es, que podemos explicitar em duas dimensões:
+ possuir um conjunto de conhecimentos e de técnicas necessários ao exercício qualificado da atividade docente;
+ aderir a valores éticos e a normas deontológicas, que regem não apenas o quotidiano educativo, mas também as relações no interior e no exterior do corpo docente, o que se traduziria numa adesão ao projeto histórico da escolarização.
Do Relatório Braga da
Cruz (1988) depreende-se que a condição do corpo docente ser amplamente profissionalizada advém-lhe, não tanto da especialização pedagógica, mas da sua
dedicação exclusiva ao ensino (90%). Hoje, não podemos
afirmar que exista uma cultura comum aos docentes que se transmita
através da formação. Também não é claro que o processo de
socialização dos professores esteja planificado ou dirigido pela instituição
formativa, sendo mais algo que pertence ao que denominamos currículo oculto
da formação. No respeitante à autonomia profissional, muitos
factores (individualismo, burocracia, intensificação, funcionarização)
confluem para a dependência dos professores de poderes externos à profissão -
Estado, Universidade, empregadores / clientes..., que a regulamentam e
condicionam de fora, na prática impedindo cada um e cada uma de exercer o seu
sentido crítico profissional. (3)
Em relação ao controlo
sobre a profissão, verifica-se que é o Estado quem o faz, na seleção, na
formação e nas habilitações para a docência. No entanto, deverão ser as/os
docentes a controlar a profissão e, desde logo, a refletir e intervir sobre
a formação inicial. A formação inicial e contínua devem contribuir para ampliar
as suas competências. Esse é, hoje, um dos desafios por enfrentar. M. T.
Estrela (1993) refere que "uma das lacunas no estudo da profissão é a relativa
aos aspetos deontológicos a qual tem sido marginalizada pela
investigação, apesar da sua reconhecida importância como elemento integrador da
profissão". (4)
O modo como nos vemos e
nos exigimos saber, saber-fazer, ser, individualmente e enquanto coletivo
profissional, interage, ainda, com o modo como os/as demais nos veem, esperam, ou
nem esperam, de nós, nos valorizam. A profissão docente tem vindo a sofrer uma
perda de imagem e apoio social determinada tanto por fatores endógenos
como exógenos...”.
Seja qual for a
modalidade de concretização da formação inicial, presencial, à distância,
desejavelmente remunerada, participada por profissionais, articulada com
instituições formadoras, terá de corresponder aos atributos profissionais, no
nosso tempo, tais como:
- Revestir uma importância social excecional já que os seus membros trabalham com o conhecimento, as atitudes e os valores.
- Precisar de uma especialização, não sendo suficiente a intuição ou a vocação para o seu exercício.
- Exercitar-se regularmente num contexto espaço-temporal determinado, exigindo uma progressiva adaptação às suas condições.
- Ter um objeto próprio, consistente no desenvolvimento de atividades tendentes a provocar a construção do conhecimento e a favorecer processos de aprendizagem significativa nos/as alunos/as.
- Inspirar-se em valores sociais assentes em ideais democráticos.
- Precisar do envolvimento dos professores na investigação, como processo de construção do saber profissional, ultrapassando a ideia de que a prática docente é a-teórica ou de que a teoria nada tem a ver com a prática.
- Submeter-se ao controlo e avaliação públicas, garantindo o uso adequado dos bens de que dispõe e a melhoria do serviço público prestado.
- Desenvolver-se em quadros institucionais que devem oferecer um apoio psicológico e condições e meios suficientes para o exercício gratificante da atividade.
- Apresentar-se como um serviço colegiado o que requer a formação de equipas e a colaboração na investigação e na docência.
- Conceber-se como fonte de criação e difusão do conhecimento o que exige a participação de todos e de todas os que intervêm na tarefa, especialmente dos/as alunos/as, que são os/as protagonistas do processo de aprendizagem.
Cresce a percepção entre os professores e as professoras da urgência de medidas que permitam enfrentar os medos e prevenir o burn out, vencendo afastamentos entre gerações e sectores, tornando o exercício profissional atractivo - por condições laborais dignas e estimulantes, mas também por maior confiança na preparação para o quotidiano docente e para a capacidade de influir na mudança para melhor, da carreira, das escolas, da educação.
Com preparação e dedicação, usemos a paixão, fria ou quente, de que somos tão capazes para tomar a palavra e fazer este caminho.
Notas:
(1) NÓVOA, António. – Para uma formação de professores construída dentro da profissão. In Revista de Educación, Madrid : Ministerio de Educación y Formación Professional, Nº 07 [2009]. Disponível em URL: https://www.educacionyfp.gob.es/revista-de-educacion/dam/jcr:31ae829a-c8aa-48bd-9e13-32598dfe62d9/re35009por-pdf.pdf (acedido 2021.05.24).
(2) ZEICHNER, K. M. - A formação reflexiva de professores : ideias e práticas. Lisboa : Educa, 1993. (Educa : Professores; 3). ISBN 972-8036-07-8. Disponível em URL: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/3704 (acedido 2021.95.24).
(3) GARCÍA ALONSO, Maria Luísa. - Inovação curricular, formação de professores e melhoria da escola : uma abordagem reflexiva e reconstrutiva sobre a prática da inovação-formação. Braga : Universidade do Minho, 1998. Tese de doutoramento em Estudos da Criança. Disponível em URL>: http://hdl.handle.net/1822/10840 (acedido 2021.05.24).
(4) ESTRELA, Maria Teresa. - Profissionalismo docente e deontologia. Lisboa: Colóquio Educação e Sociedade, nº4, Dez. 1993, pp.1985-210.
Maria José Magalhães,
Maria José Vitorino
Professoras, Maio 2021
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