A quem servem e a quem devem servir as Instituições do Ensino Superior?
É conhecido histórica e empiricamente que, no passado, as Instituições do Ensino Superior (IES), englobando Universidades e Institutos Politécnicos, têm sido frequentados, numa primeira fase, por filhos/as de famílias de classes dominantes, tendo-se aberto a política do ensino superior, numa segunda fase, por pressão de movimentos sindicais, estudantis e outros, a cidadãos/ãs originários de classes intermédias e, inclusive, em parte, de classes populares sobretudo a partir dos anos 1960/70. Também em Portugal, apesar destes pequenos avanços sobretudo após o 25 de Abril de 1974, a formação de profissionais qualificados/as, a produção de conhecimento, a aprovação e a implementação de projetos de investigação não têm redundado em favor das comunidades e das classes mais desprovidas, mas em função e no interesse de grandes grupos económicos. Mais, salvo por iniciativa de uma minoria de investigadores/as e seus respetivos centros de investigação, docentes e investigadores/as, constrangidos por políticas neoliberais e induzidos por métodos de avaliação meritocráticos, competição individual e/ou, por vezes, favorecimento administrativo ou patrocinal, em função da progressão na carreira, acabam por não ter tempo e dispositivos colaborativos no campo da docência e, muito menos, de envolvimento e serviço às comunidades envolventes e à sociedade. Mais, estando as e os docentes e profissionais diplomados/as, na sua maioria, nas ciências ditas naturais ou exatas e engenharias orientadas para se enquadrarem em projetos de médias e grandes empresas (inter)nacionais, os próprios profissionais e investigadores/as das ciências sociais e humanas acabam por ser contagiadas por critérios de produtividade e competividade sem se repercutir no bem-estar dos cidadãos/ãs. As IES e seus membros, inseridos em determinados territórios nomeadamente urbanos, com produções de alto valor acrescentado, nem sequer se relacionam nem comunicam com os moradores/as da cidade ou, quando muito, fazem-no predominante e preferencialmente com determinados grupos sociais e económicos dominantes.
Perante este breve diagnóstico, consideramos relevante partilhar ideias e fazer algumas propostas, tendo em vista uma política de esquerda no quadro da relação entre academia e comunidades urbanas e rurais.
Em breves linhas, pretendemos iniciar este diálogo sobre algumas ideias que podem constituir parte de uma política de esquerda.
(i) Contrariamente à ideia de que os docentes e investigadores/as constituem uma camada privilegiada das classes médias ou de serem membros de pequena burguesia, eles/as são trabalhadores/as qualificados/as, conhecendo sobretudo os/as mais jovens cada vez mais processos de proletarização, precarização e dependência. A luta pela valorização do seu trabalho e a garantia das condições de trabalho tem de ser uma prioridade.
(ii) Sendo o paradigma dominante nas IES o de não valorizar o conhecimento como bem ou valor ao serviço das comunidades, mas sim enquanto instrumento para a criação de valor para o mercado e ao serviço de determinados interesses empresariais, importa operar uma viragem e abertura em favor das comunidades locais.
(iii) Contrariamente a velhas e novas formas elitistas, impõe-se a necessidade de estabelecer uma relação de comunicação e diálogo com as populações onde as IES estão inseridas, o que implica uma inferface e/ou envolvimento das respetivas instituições não só com empresas mas também com organizações sindicais, culturais, feministas, Lgbti+ anti-racistas, associações de moradores/as, entre outras.
(iv) Lutar contra o crescente desinvestimento público por via do Orçamento de Estado, o que tem obrigado as IES a procurar formas alternativas de financiamento. Esse desinvestimento público tem obrigado as instituições de ensino superior a procurar formas alternativas de financiamento, o que tem contribuído para a degradação da livre produção de conhecimento. Devemos rejeitar esta visão mercantilista da produção intelectual.
(v) Sendo as autarquias interlocutoras e mediadoras ativas, em termos sócio-culturais, na relação entre as populações e as IES, importa promover a dimensão de extensão universitária, tal como é definida em termos programáticos mas não implementada.
Se a percepção que existe é a de um total alheamento das IES face ao contexto social e político em que está inserida, não podemos, nem devemos responsabilizar unicamente as instituições de ensino superior por essa situação. As autarquias (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia), enquanto instituições de representação política das comunidades, devem promover e incentivar uma aproximação entre as IES e as populações que representam. Nas últimas décadas assistimos a um investimento significativo por parte das autarquias, beneficiando dos financiamentos comunitários, em infra-estruturas e equipamentos relacionados com a educação e com a cultura, mas essa aposta, para além de redundante em muitos casos, não significou uma democratização e universalização do acesso à cultura, à ciência e, principalmente, ao conhecimento que é produzido pela academia e pelas instituições de ensino superior.
Os/As eleitos/as locais em Portugal, situando a sua ação no terceiro nível de jurisdição - estruturas de governo local - não devem ser, como até aqui, meros prestadores de serviços e/ou donos de obras e seus estaleiros, devem adequar a sua intervenção a estratégias de inovação e conhecimento para o desenvolvimento integrado dos seus territórios e das suas populações e participar ativamente na construção de uma sociedade mais formada e mais informada. Neste sentido, deverão as autarquias e seus autarcas instituir-se como mediadores sociais e culturais, estabelecendo pontes entre as IES e as organizações locais, tais como, entre outras, as associações de moradores, culturais, recreativas, económicas, contribuindo assim para uma efetiva descentralização.
É função, obrigação, das IES promover a relação e a ligação com a sociedade, as comunidades e populações dos diferentes territórios nos quais estão inseridas - relação social, económica e cultural.
A esquerda deve ter pensamento sobre a produção de conhecimento, a academia e o ensino superior, definindo linhas estratégicas para uma política revolucionária para as IES, a produção de conhecimento, a formação de profissionais qualificados/as e a respetiva contribuição para uma maior justiça cognitiva.
José António Barata, Liliana Rodrigues, Luís Vale, Manuel Carlos Silva, Maria José Magalhães, Ricardo Salabert e Soares da Luz
Convergência-Porto, 16 de Junho de 2021
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