COMO RESGATAR OS REGULADORES E A AVALIAÇAO AMBIENTAL DO PANTANO?
Por Marta Leandro
Do que até à data é conhecido da investigação do
Ministério Público que conduziu à demissão do primeiro-ministro, António Costa,
podemos extrair duas conclusões: os procedimentos e proteções ambientais são
vistos como um estorvo para a generalidade dos governantes e os dirigentes dos
dois principais reguladores do Ambiente, ao invés de protegerem os valores
naturais e cumprirem a missão para a qual são pagos pelos contribuintes,
conspiram contra a natureza e revelam uma inaceitável falta de independência.
Sobre a melhor forma de contornar as leis de
proteção do ambiente e do ordenamento do território já tínhamos visto
demasiado: desde o caso Freeport ao aeroporto do Montijo, passando pelos
projetos subitamente tornados de “interesse nacional” mesmo quando esses PIN
apenas defendem interesses privados, como acontece com o empreendimento “Na Praia”, entre diversos
outros. O investimento, de que faz parte a herdeira da Inditex (grupo
Zara), terraplana dunas na península de Tróia, paredes meias com uma reserva
botânica com estatuto máximo de proteção e lado a lado com várias áreas
classificadas, já para não mencionar os atentados ambientais previstos até
Melides, que irão destruir a última linha de costa selvagem do país, para
delícia das revistas cor-de-rosa e dos deslumbrados com os importados Louboutins,
royals e afins, de duvidoso gosto.
Também o Plano Regional de Ordenamento do
Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML), criado em 2002, continua misteriosamente
por rever há mais de uma década, omissão que na prática condescende abusos
urbanísticos nos 18 concelhos abrangidos, de que não faltam exemplos
lamentáveis, desde a impermeabilização de vastas áreas de leito de cheia na
capital à urbanização em curso na serra da Carregueira, passando pela serra de
Carnaxide e terminando no vale do Jamor. Oeiras é aliás a autarquia que prima
pela tentativa de betonização desenfreada do que resta de verde.
Foi, ainda, o caso do milionário, agora no centro
da controvérsia, centro de dados que a Start Campus começou a construir em Sines,
parcialmente situado em zona especial de conservação (ZEC), ao abrigo da
Diretiva Habitats, que protege a biodiversidade e assegura a sobrevivência
tanto de ecossistemas naturais como dos habitats do qual dependem espécies da
flora e da fauna com estatuto de conservação ameaçado, no âmbito da Rede
Natura.
No distrito de Vila Real o licenciamento das
minas do Romão (Montalegre) e do Barroso (em Boticas, região classificada em
2017 como Património Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura) reacenderam a polémica quanto à observância das
regras da transparência no âmbito da avaliação de impacto ambiental (AIA).
A atribuição de direitos alargados de prospeção, em especial em vastas áreas do
interior e do norte do país, criando expetativas aos agentes económicos, mesmo
em zonas protegidas ou sensíveis, ou em que se verifica colisão com a vontade
manifesta de populações organizadas e ferozmente opositoras desses projetos,
levanta a questão do envolvimento cidadão, tantas vezes desprezado inclusive em
sede de consulta pública e em desrespeito pelos princípios da Convenção de
Aarhus subscrita pelo Estado português.
A necessária e urgente transição energética de
que o país carece para atingir a neutralidade carbónica requer uma liderança
política credível e procedimentos administrativos de rigor inquestionável. Os
agentes, políticos e económicos, que agiram em aparente conluio deverão ser
responsabilizados se se verificarem atrasos que conduzam a um agravamento da
crise climática.
Talvez a Operação Influencer tenha
pelo menos o mérito de questionar a simplificação dos procedimentos trazidos
pelo designado pacote do Simplex Ambiental e constitua uma oportunidade para
rever a muito desvirtuada legislação de impacte ambiental, começando por
colocar um término na dependência, económica e funcional, que se verifica entre
as empresas que executam a avaliação ambiental e os donos da
obra. Deverá ser o Estado, como garante da legalidade, a contratar
essas empresas, com fundos pagos por quem pretende edificar, mediando e
garantindo a efetiva independência dos processos de AIA.
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o
Instituto de Conservação do Ambiente e Florestas (ICNF), pese embora os ótimos
e empenhados técnicos que ali trabalham, são há muito considerados mais um
problema do que uma solução nos bastidores do movimento ambiental. Os seus
dirigentes, respetivamente Nuno Lacasta e Nuno Banza, subservientes ao poder e
demasiado esquecidos de que a sua missão é preservar o bem comum, foram agora
apanhados nas escutas do processo e o que as mesmas revelam nada abona em seu
favor.
Sob a presidência de Lacasta, em particular, a
emissão de declarações de impacte ambiental (DIA) favoráveis condicionadas
(incluindo com medidas de mitigação ou “compensatórias” tão patéticas como
dar formação aos trabalhadores dos buldózeres de Tróia acerca do valor natural
de ecossistemas e habitats que tinham destruído) atingiu um expoente de
quase delírio, como aliás o PÚBLICO denunciou: em 25 anos, apenas 6 por cento das AIA
obtiveram parecer desfavorável.
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