Discursos de ódio e adolescência


A adolescência é uma fase da nossa vida plena de mudanças, inquietações, riscos, possibilidades e sonhos. Nesta fase, é tudo vivido com muita intensidade. As alterações são tantas, tanto do ponto de vista psicológico como físico e emocional, que a pessoa se sente num furacão de emoções difíceis de gerir. Vive-se tudo a 100%: o amor, a rejeição, a amizade, a hostilidade, etc. 

A adolescência é, também, a fase da nossa vida em que o sentimento de pertença fora da nossa família é mais intenso e exigente. Sentimento de pertença com o seu grupo de pares passa a ser, pelo menos durante algum tempo, tão ou mais importante do que a pertença ao grupo familiar. 

Embora, do ponto de vista histórico ocidental, só muito recentemente se reconhece esta fase na vida das pessoas, hoje, sabemos que é um momento da vida das pessoas crucial para a construção da sua personalidade, incluindo a sua identidade de género*, desenvolvimento das suas capacidades e formação da sua visão e modo de estar no mundo. 

Neste momento das nossas vidas, a sociabilidade toma uma dimensão enorme. Se, antes da internet, adolescentes enfrentavam perigos nas interações sociais "offline", hoje, esses perigos manifestam-se não apenas nas interações concretas mas também nas virtuais. 

Cada vez mais as nossas crianças, adolescentes e jovens passam mais tempo no computador. E a pandemia veio agravar esta situação. Veio potenciar os riscos e os perigos.

Como sabemos, o discurso de ódio prolifera nas plataformas online. Existem, aliás, plataformas específicas para a proliferação do discurso de ódio e extremista e terrorista. O perigo de vitimização por discurso de ódio e/ou adesão ao discurso de ódio aumenta em proporção às possibilidades da interação digital. As/os adolescentes correm maior perigo de serem vitimizadas/os nas redes sociais e correm maior perigo de serem recrutados/as pare redes extremistas e terroristas. 

Mais ainda, diferentes grupos de adolescentes, de acordo com o seu género, diversidade étnico-racial, orientação sexual, capacidade e/ou possibilidades económicas correm perigo em maior ou menor intensidade, uns/mas de serem vítimas, outros/as de se integrarem em organizações difusoras de discurso de ódio e potenciadoras do exercício da violência online e offline. 

Há organizações de extrema direita / neonazis especialistas em recrutar adolescentes, sobretudo mas não só, meninos. 

É fundamental que exista um enquadramento legal que puna os perpretadores (adultos/as) e angariadores de adolescentes para fins criminosos; é crucial que as medidas incluam não apenas a criminalização mas legislação de apoio a vítimas e de trabalho reeducativo para quem se deixou embrenhar naquelas redes. 

Fundamental também é trabalhar na prevenção primária, isto é, para perpetradores, antes de se sentirem seduzidos/as por essas redes e por esse tipo de discurso e, para eventuais vítimas, antes de serem ameaçadas ou alvo de discurso de ódio. Um trabalho pedagógico que saiba lidar com esta fase da vida - que não seja o discurso moralista a que fomos, muitas e muitos de nós, sujeitas/os durante a nossa adolescência. Tem de partir de uma base de respeito para com a/o adolescente e construir formas colaborativas entre as/os próprias/os adolescentes, nos seus grupos de pares, para se sentirem empoderadas/os e poderem, simultaneamente, atuar como espetadores/as (bystanters) ativas/os. Uma ou um adolescente partilhará mais facilmente com um/a colega o facto de estar a ser vítima ou de ter sido seduzida/o para uma rede extremista do que contará a algum/a prof/a ou familiar. 

Um trabalho de prevenção na escola, realizado por especialistas em pedagogia e em prevenção da violência, permite estar atenta/o aos sinais quer da vitimização quer do início de um percurso de possível e eventual caminho para vir a ser um agressor /difusor de discurso de ódio e/ou integrar redes extremistas. Há palavras, gestos, olhares que se constituem como sinais do mal-estar da/o adolescente. Uma/um educador/a da prevenção estará lá para interpretar os sinais e saber agir em tempo útil. 

As nossas crianças, adolescentes e jovens merecem toda a nossa atenção (sem deixar de criar espaços de autonomia). 

1.set.2021
Maria José Magalhães


*Ver também artigo de Ana Sartóris, no site da Convergência:



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