Plano de regadio terá impactes fortíssimos na Albufeira de St.ª Águeda e no abastecimento a Castelo Branco

 



As câmaras municipais de Castelo Branco e do Fundão, juntamente com a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, à revelia da entidade responsável pela gestão da bacia hidrológica, estabeleceram um protocolo para que se possam candidatar ao financiamento de um projeto de regadio ao sul da Serra da Gardunha a partir da Barragem de Santa Águeda.

A verba em questão é de 15 milhões de euros e o financiamento é de 100% por parte do Estado. Este regadio vai abranger uma área de dois mil hectares (mil em cada um dos concelhos), tendo já sido entregue uma candidatura aos fundos europeus que é necessário denunciar pelos enormes impactes ambientais.

A albufeira albicastrense armazena, quando cheia, 34,2 hectómetros cúbicos de água.

O consumo anual do abastecimento público (Castelo Branco e outros concelhos) cifra-se atualmente em 6,5 hectómetros cúbicos por ano e o que está previsto gastar com o regadio a partir de Santa Águeda são 8 hectómetros cúbicos por ano, quando o projeto estiver a funcionar em pleno.

Assim, com este regadio, passar-se-à dum consumo anual de 19,0% para 42,4% da capacidade máxima da albufeira e de 24% para 53% do escoamento hídrico médio anual (corrrigido da evaporação na própria albufeira), o que, em anos de seca cada vez mais gravosos, ir pôr em causa esta captação essencial para o fornecimento de água potável a 65000 habitantes da Beira Baixa.

Caso este projecto seja executado, assistir-se-á a um agravamento da eutrofização da Albufeira de Santa Águeda e, em consequência, a custos de exploração da Estação de Tratamento de Água (ETA) muito acrescidos que, tal como já ocorreu anteriormente, provocará a necessidade de investimentos muito vultosos para permitir a operação desta ETA.

Tudo isto originado pelos consumos cada vez maiores de água para rega, em contraciclo com as alterações climáticas, que este tipo de agricultura não sustentável insiste em praticar delapidando os recursos aquáticos que não lhe foram destinados.

a) RISCO DE EUTROFIZAÇÃO DEVIDO À ADUBAÇÃO DE EXPLORAÇÕES AGRÍCO­LAS E AO ARRASTAMENTO DO SOLO PELA EROSÃO HÍDRICA

O processo de eutrofização de lagos ou de albufeiras decorre dum enriquecimento de nutrientes na massa de água que provoca um crescimento algal máximo na Primavera/e início do Verão, durante o qual a concentração de Oxigénio dissolvido sobe devido à fotosíntese e à sua morte no Outono/Inverno. Devido à morte das algas, ocorre a decomposição dessa matéria orgânica e a formação de condições de anaerobiose nos estratos profundos da massa de água.

Nas albufeiras e massas de água do Interior, contrariamente ao que ocorre nos estuários e lagoas em contacto com o mar, o nutriente que comanda o seu grau de eutrofização é aquele que existe em menor quantidade, ou seja, o Fósforo. Existindo temperatura, radiação solar e todos os restantes nutrientes em quantidade sufuciente, o Fósforo, normalmente presente em menor concentração, quer porque a solubilidade dos compostos é menor quer porque muitos são facilmente adsorvidos pelo solo, torna-se o factor limitante para a concentração máxima que as algas podem atingir.

Assim, a classificação do grau de eutrofização das albufeiras depende directamente da concentração em Fósforo e da Clorofila A (uma medida da concentração em algas):

CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO TRÓFICO DUMA ALBUFEIRA

É de sublinhar que o grau de eutrofização se vai gradualmente agravar, devido ao aumento do volume das lamas que ocupam os fundos da albufeira. Estas lamas são principalmente provenientes da erosão hídrica agravada drasticamente pelas más práticas agrícolas com incorrecta mobilização anual dos solos e morfologia do ordenamento das explorações, que o Ministério da Agricultura não controla como seria a sua obrigação.

Assim, ao longo do tempo aumenta a redissolução de compostos de Fósforo a partir das lamas de fundo da albufeira o que gera um cada vez maior bloom algal primaveril e um agravamento da qualidade trófica da albufeira.

 Para permitir uma análise quantitativa, necessariamente menos subjectiva, dos fenómenos que progressivamente irão provocar a eutrofização da albufeira, seguiu-se a metodologia americana e da escola brasileira de estudo do fenómeno de eutrofização (por exemplo, em: – Farias, Vera Lucia da Silva, Modelagem da perda de Fósforo por erosão hídrica, Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2016):

A estimativa do Fósforo transportado com os sedimentos erodidos foi obtida adoptando-se o algoritmo definido nessa metodologia que inclui métodos de cálculo da concentração de Fósforo no solo (Psolo), da taxa de enriquecimento (ER) e a quantidade de sedimento erodido (Sed).

O cálculo da erosão do solo, Sed, definido em quilogramas por hectare, efectuou-se com base no programa Water Erosion Prediction Project (WEPP).

O cálculo efectuado com este programa, considerando uma possível localização das explorações agrícolas em áreas pouco declivosas e com um tipo de exploração intensiva permite concluir que o arrastamento de solo calculado é de 420 kg/hectare.

Com base neste modelo de arrastamento de solo foi possível estimar a contribuição anual de Fósforo a partir dos 2000 hectares de explorações agrícolas intensivas com um valor de 1970 kg/ano o que, atendendo ao escoamento hídrico anual da bacia de 24,56 hm3/ano originará um aumento anual da concentração em fósforo de 0,08 mg/l. Este valor classificará estas águas como claramente eutróficas.

O risco de eutrofização é muito grave, o que, aliado ao acréscimo de assoreamento de 800 toneladas por ano, devido à erosão dos novos terrenos cultivados, pode comprometer de forma irreversível a utilização primária da albufeira como origem de abastecimento de água.

B) PROFUNDO AGRAVAMENTO DAS CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO DA ETA

Já actualmente, devido à cada vez maior eutrofização da albufeira, a exploração da Estação de Tratamento de Água (ETA), tem de gerir a profundidade a partir da qual se efectua a captação da água a tratar de forma a minimizar a sua concentração em microalgas cianófitas que, na Primavera, ocupam o estrato superior das águas e a anaerobiose ocorrente nas camadas inferiores. Com a diminuição da água armazenada, tornar-se-á cada vez mais difícil evitar a aspiração de água muito contaminada com algas azuis-verdes.

A exploração, devido ao actual estado de eutrofização, já opera acima da capacidade de pré-oxidação com Ozono e vê-se obrigada a uma adição suplementar de Cloro que não estava prevista no sistema de tratamento, já profundamente melhorado face ao anterior sistema de tratamento, com inclusão de ajustamento de pH com CO2 para optimização da coagulação, pré-oxidação com Ozono (actualmente já insuficiente), adição de Carbono Activado em Pó (CAP), decantação lamelar, filtração rápida com velocidade constante, correcção final de agressividade com Água de Cal e Cloração final.

De acordo com o POASAP (Plano de Ordenamento da Albufeira de Santa Ágeda) esta Albufeira deveria ser utilizada exclusivamente para fornecimento de água para abastecimento público. 

O desrespeito pelo Ministério da Agricultura das consequências gravosas sobre a qualidade das águas provocadas por um modelo completamente desajustado e insustentável de agricultura, irá provocar a necessidade de novos investimentos muito gravosos, e a provável necessidade de incluir etapas de tratamento do tipo flotação, tal como adoptado em albufeiras muito eutrofizadas do Alentejo que, além do investimento muito elevado, originam custos de exploração e consumos de energia na flotação e na desidratação das lamas cada vez maiores ou mesmo a impossibilidade física de exploração em anos de seca.

C) CONTRADIÇÃO FRONTAL FACE AOS OBJECTIVOS DA CONVENÇÃO DE ALBUFEIRA

Este é mais um projecto de elevado impacto ambiental, com um orçamento de grande dimensão, sem ter sido objecto de discussão pública exigível para aferição da sua sustentabilidade, à revelia da APA que é a entidade que deve gerir toda a utilização de água na Bacia Hidrológica do Rio Tejo e que poderá afectar quer o fornecimento de água para consumo doméstico e o cumprimento dos objectivos da Convenção de Albufeira.

Serão subtraídos à Bacia Hidrológica do Tejo pelo menos 8 hectómetros cúbicos de água, mas, devido aos objectivos definidos pela edilidade do Fundão de acréscimo dos investimentos até 60 milhões de euros, este valor ainda poderá ser bem superior.

De acordo com os objectivos do Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo,  definidos no Anexo I da Parte 5, para 2027 para a qualidade da água a jusante da Albufeira da Marateca/Sta. Águeda (Artigo 4.º- 4: Exequibilidade técnica) pretende-se a implementação e monitorização de regimes de caudais ecológicos, que deverão ser ajustados, até se atingir o bom estado das massas de água a jusante e medidas de restauração ecológica que proporcionem impactes positivos graduais, com resultados a médio e longo prazo.

Estes objectivos serão desde já totalmente contrariados por este projecto.

* José Cardoso Moura







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