"a cidade está preparada"
"a cidade está preparada"
Foi com estas palavras que o vereador da Câmara
Municipal do Porto, Pedro Bragança se pronunciou sobre as cheias que Lisboa
sofreu no passado mês de Dezembro, garantindo ao Porto Canal que na cidade do
Porto essa situação não aconteceria. Pois bem, aqui está um bom exemplo para
quem tem telhados de vidro não atirar pedras ao ar, e não foi preciso esperar
muito para os telhados do vereador Pedro Bragança se partirem com as pedras que
andou a atirar para o céu da Invicta.
Ainda assim, e para além do ensinamento popular que
desautorizou o dislate do insigne autarca, importa reflectir sobre o que
aconteceu nos dias 7 e 8 de Janeiro na Invicta e não são suficientes as tíbias
declarações dos responsáveis locais e autárquicos sobre a
imprevisibilidade deste tipo de ocorrências. Há esclarecimentos a dar, causas
por encontrar e responsabilidades por atribuir. Acontece que os rios e as
ribeiras que atravessam a cidade e desaguam no Douro já há muito tempo estão
entubadas e nem por isso assistimos jamais a inundações desta dimensão. No caso
do rio da Vila, principal leito que atravessa a cidade, ele já está entubado
desde o século XIX e terá sido algures no seu percurso que houve problemas
obrigando-o a transbordar e passar a correr à superfície para o Douro,
inundando tudo no seu caminho.
O que terá motivado este fenómeno? Avança-se com a
possibilidade de terem sido as obras do Metro na baixa, mas não podemos
esquecer outras intervenções que têm acontecido um pouco por todo o centro da
cidade, tais como as obras no mercado do Bolhão, as obras no quarteirão do
Rivoli, na Praça D. João I, entre outras, que poderão também ter contribuído
para desestabilizar os leitos das ribeiras e a natural drenagem da cidade. O
Rio da Vila continua a ser alimentado por várias nascentes e estas continuam a
existir, como por exemplo a do antigo monte de Santa Catarina, ou as fontes e
arcas de água da Batalha e Santo Ildefonso. O Campo 24 de Agosto, a rua Duque de Saldanha, o
largo do Seminário, a rua Gomes Freire e entramos no secular bairro dos Moinhos
(um bairro tipo ilha com dois andares, com entrada em cotas desniveladas). Não
esquecendo o lugar de Fontes e de Fontinhas, ou seja, as Fontainhas. Daqui
deriva o seu nome pela: «As fontes ou fontinhas, que n`elle ha de soberba agoa
he d`onde deriva o nome que actualmente conserva posto que já corrupto: he
muito agradável no verão este passeio, e por isso antes do cerco o Senado o
mandou reformar, e então he que se gaurneceo de grades de ferro» (cod. mans.
n.1272, BPMP).
Nesta zona vamos encontrar uma rica e diversificada
hidro-toponímia, que diz bem da sua realidade geomorfológica e da sua
complexidade hidrográfica e topológica. Por exemplo:
Rua da Fonte, « huma optima fonte de agoa deo a esta
rua o seo nome»; Rua do Poço das Patas, «como neste sitio (Campo 24 de Agosto)
ha muita ágoa, tanques e lavadouros», onde se situa a nascente de «Mijavelhas»
este topónimo com raiz etimológica composta com palavras latinas e celtas,
permite-nos ter uma ideia da riqueza deste manancial de águas. Aliás, no mesmo
códice (cod. mans. n.1272, BPMP) podemos também ler que: «o sexto manancial de
agoas, das Fontainhas que posto ser dos mais antigos na posse da Câmara; outro
grande manancial o da «Arca da Duqueza de Bragança» (atual Rua D. João IV), que
vai desaguar na Fonte da Rua 23 de Julho ou do Poço das Patas. Com referência
para a Fonte do Padrão das Almas que também drena para as Fontainhas.
«Toda esta agoa corre atravéz da Rua 23 de Julho, em
toda a extensão da Viella dos frades, e à esquina voltando para o Jardim vem
cahir na referida parte do Passeio Público. As suas vertentes escoão pelos
taboleiros do mesmo passeio (o Passeio das Fontainhas)».
Outra fonte muito importante é da Arca de Ágoa de S.
Lazaro que também drena para as Fontainhas.
É nosso entendimento que para além das
responsabilidades daqueles que interferiram, desviaram, canalizaram e desestabilizaram estes
cursos de água, o grande problema do Porto é o excesso da impermeabilização dos
solos, transformando toda a cidade num contínuo impermeável, situação que se
acentua no centro histórico da cidade, numa relação muito estreita de
causalidade entre as políticas urbanísticas e de planeamento da cidade e a
voragem das ambições especulativas e de consumo do cluster do
turismo. É urgente discutir um Plano Ecológico para a cidade, como devolver à
cidade as suas ribeiras e rios, os mananciais de água, tão vitais ao
arrefecimento do ambiente urbano e para a qualidade de vida na cidade. Há que
repensar a cidade e restituí-la aos portuenses.
Janeiro
2023.
Luis Vale
Fernando M
Rodrigues
Sá Luz
Comentários
Enviar um comentário