O ESTRANHO CASO DA BIBLIOTECA FECHADA
O ESTRANHO CASO DA BIBLIOTECA FECHADA
Quem passar no jardim da Praça Marquês de Pombal por estes dias
deparará com o insólito estado de encerramento de um interessante equipamento
cultural da Câmara Municipal do Porto: a Biblioteca Popular Pedro Ivo. O
concorrido jardim ladeado por plátanos e onde se situa uma estação de metro, é
um dos pontos mais vivificados da cidade, uma zona de lazer e fruição possível de
alguma natureza. É lugar de convívio de gente de todas as idades, que nem os
pavores da pandemia deixaram e deixam de o ver quase sempre movimentado.
Vamos à história da Biblioteca Popular Pedro Ivo. Em 1951,
uma monografia da Câmara Municipal do Porto enumerava os estabelecimentos onde
a ação cultural da Câmara Municipal se exercia, isto porque se considerava na
publicação que «entre as atribuições das câmaras municipais figuram em certa
medida as de carácter cultural». Refere a monografia: «Em Sessão de 22
de Outubro de 1936, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal do Porto
aprovou uma proposta no sentido de serem criadas de novo nesta cidade algumas
Bibliotecas Populares». A iniciativa pretendia reavivar uma ali citada
tradição perdida de existência de bibliotecas populares no Porto. Cedofeita,
Santo Ildefonso, Massarelos e Foz do Douro viram serem instaladas as «bibliotecas
populares» com o fim de «fornecer gratuitamente os indispensáveis meios de
cultura intelectual e aperfeiçoamento profissional às classes mais humildes,
tendo em vista a sua formação moral e cívica, que, em caso algum poderá ser
contrariada por leituras que não sejam rigorosamente honestas». Vivia-se a
ditadura salazarista e a avaliação de leituras que não fossem rigorosamente
honestas não devia ser desprovida de intenções escusas. Mas sim, fomentou-se a
leitura.
Em 6 de janeiro de 1948 foi a vez de ser inaugurada solenemente
a Biblioteca Popular Pedro Ivo, instalada num moderno e elegante pavilhão
expressamente construído no Jardim da Praça do Marquês de Pombal. Como resume o
site da Ágora – Cultura e Desporto, E. M., a “Biblioteca do Marquês”, «esteve
sempre na dependência direta da Biblioteca Pública Municipal do Porto, foi
muito procurada pelos portuenses, tendo sido transformada em Biblioteca
Infantil em 1990-1991 e assim mantendo-se até ser encerrada em 2002».
Portas fechadas, desprovido da sua finalidade, o pavilhão
ia-se degradando, tornou-se um urinol a céu aberto até que, em 2012, um
movimento cívico a decidiu ocupar e tentar uma autogestão para reavivar a
aceção de biblioteca. Rechaçada essa intenção pela Câmara, o edifício foi
entaipado e só voltaria a ter utilização anos depois, concessionado como café.
Turbulência em torno das concessões como espaço de restauração, levariam Rui
Moreira a decidir que o espaço deveria ter uma rotatividade cultural.
Então, em 2021,
segundo a Ágora, «arranca uma espécie de ano zero de reativação da
Biblioteca Popular de Pedro Ivo através de um programa-piloto que integra
várias áreas disciplinares para testar que tipo de diferentes usos esta
biblioteca pode ter, sempre em ligação com a memória do espaço. O objetivo é
experimentar um modelo pluridisciplinar em torno de conceitos como memória,
arquivo, infância, leitura, corpo, troca, fronteira, migração, comunidade.»
O que quer que tudo isto queira dizer…
Uma “rádio-estação” de reduzido alcance emitiu do edifício
que voltou a ostentar a marca Biblioteca Popular Pedro Ivo e ao que ali se
passou, de tão líquido e confuso sendo, as pessoas preferiram, parece-nos,
olhar as águas do lago central do jardim. Em 14 de março deste ano a Câmara
Municipal do Porto publica no seu site que «no próximo mês de abril será
lançado um concurso que visa atribuir duas bolsas de criação/programação para a
biblioteca. As bolsas serão direcionadas a propostas de projetos literários e
bibliotecários». Pode ser, mas não encontramos na internet mais informações
a isso referentes.
Não se discute agora neste artigo o critério da Câmara
Municipal do Porto para o aproveitamento da Biblioteca Pedro Ivo, contudo
exige-se a clara prestação de contas quanto a conclusões a que se tenha chegado
no tempo da reabertura do espaço. Tem de
ser transparente a comunicação da relação entre investimentos/esforços
efetuados e os resultados obtidos. Por outro lado, demanda-se uma apurada
utilização daquele equipamento, de pequenas dimensões mas capaz de voltar a ter
uma utilização justificável no âmbito da valorização das pessoas, do Porto.
A Biblioteca Popular Pedro Ivo está então atualmente
encerrada (repousam apenas lá um balde e uma cadeira), o tópico está em aberto.
Actividades Culturais, Serviços Culturais da Câmara
Municipal do Porto,1951.
https://www.agoraporto.pt/cultura/biblioteca-popular-de-pedro-ivo
https://www.porto.pt/pt/noticia/biblioteca-popular-de-pedro-ivo-exibe-agua-ardente
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