Prostitutas — trabalhadoras do sexo?! - por Adília Maia Gaspar

Camaradas, o debate entre nós é fundamental, pelo que publicaremos, aqui, no nosso blogue, pontos de vista diferente em relação a alguns temas. Iniciamos com a publicação de artigos sobre o tema da prostituição. 

Estava aqui a ler umas coisas e salta-me uma referência a Marx e ao conceito de trabalho. Acima de tudo, temos de respeitar as palavras e os conceitos para que elas remetem. Por isso é que, quando ouço pessoas, frequentemente ligadas a setores de esquerda, referirem as prostitutas como "trabalhadoras do sexo", fico literalmente com os cabelos em pé. 

Só falta mesmo recuperar a prática fascista de legalização dos bordéis ou casas de tolerância, como lhes chamavam, e de obrigarem as prostitutas a controlo sanitário para segurança sobretudo do utente que coitado não pode/deve ser prejudicado por adquirir o serviço e este não corresponder à expectativa ou trazer atrelado um defeito no produto. Mas lembremos que o próprio regime fascista percebeu que, pelo menos formalmente, tinha de fazer alguma coisa e assim em 1962 proibiu o exercício da prostituição e encerrou as casas de tolerância. 

Claro que a formalização não foi sinónimo de progresso social pois que, se as condições materiais e outras se mantiverem, a situação não se altera significativamente; mas ainda menos se altera, se a própria prática for formalmente reconhecida como legítima. 

O passado tende sempre a regressar com outras roupagens, mudando-se alguma coisa para que tudo fique na mesma. 

Parece não se perceber que ao admitir-se as prostitutas como 'trabalhadoras' está a legitimar-se a função que desempenham ao serem compradas por homens para sexo; não se percebe que está a legitimar-se a escravatura sexual. Sim, porque a prostituta é comprada, como os escravos também o eram nos mercados para o efeito criados, depois de terem sido aprisionados. O mesmo se passa com as prostitutas que, por meios mais sofisticados, também são 'aprisionadas', às vezes mesmo literalmente — não é à toa que se fala de tráfico de seres humanos — e empurradas para o mesmo tipo de mercado, em circunstâncias no essencial equivalentes. 

É preciso respeitar as palavras, não vale tudo! O trabalho é, como Marx ensinou, a atividade humana mais distintiva, a que nos distanciou dos animais e nos humanizou; e o produto do trabalho, por mais humilde que seja, é a expressão da criatividade criadora do ser humano, capacidade essa que, em simultâneo, o criou. Lembremos, por exemplo, a designação de 'homo faber' que remete precisamente para um estádio primitivo da humanização que ocorreu com a 'invenção' do fabrico de instrumentos — ele próprio um trabalho — que permitiu transformar a natureza em objeto de fruição. 

Chamar ao sexo trabalho e à prostituta trabalhadora é defender que é perfeitamente legítimo e natural que ela se venda, ou melhor que ela seja comprada. Dizer-se, como por vezes se diz, que ela apenas vende o seu corpo, isto é 'permitir' que ele seja comprado, é vender-se a si mesmo. É preciso perceber que não há esse dualismo corpo-mente; há sim um ser corpóreo, um ser animal, da família dos primatas, que, através de vicissitudes várias, desenvolveu um cérebro mais complexo e foi capaz de criar linguagem não onomatopaica, constituída por um sistema de signos, e de com ela pensar e verbalizar o pensamento. 

De modo que, hoje, graças a este fantástico evento, temos obrigação de parar para pensar; de lembrar que as palavras servem para exprimir a realidade e agir de forma eficiente quando for o caso; mas só agiremos de forma eficiente se designarmos corretamente a realidade, o que é um primeiro passo para a compreendermos; e, de seguida, para a transformarmos de acordo com os nossos interesses enquanto seres humanos. 

9/01/2022

Comentários

  1. Afirmo convictamente o meu inteiro apoio a este texto. Se ele der ocasião a abrir um debate, tanto melhor. Servirá para que as intervenientes esclareçam as suas dúvidas e "certezas", porque o debate de ideias é salutar.

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