Darwin, o sociólogo
Charles Darwin foi um biólogo inglês que viveu entre 1809 e 1882. É até hoje, possivelmente, o biólogo mais influente de sempre. Escreveu várias obras, entre as quais "A Viagem do Beagle", "A Origem das Espécies" e "A Descendência do Homem e seleção em relação ao sexo".
Sendo "A Origem das Espécies" o mais influente, quando descreve o processo de evolução através da seleção natural, um modelo que continua aceite até hoje com algumas adições da genética, que ainda não existia.
No ocidente, Darwin é idolatrado, e bem, pois fez observações fascinantes e incrivelmente inteligentes sobre o mundo natural e o seu funcionamento. Mas Darwin não era tão bom antropólogo como era biólogo.
Vivendo num mundo em que a cultura popular era machista, racista, xenófoba, etc., Darwin não conseguiu perceber o enviesamento cultural que trazia consigo. Ele acreditava que o homem era superior à mulher. Escreveu-o no seu próprio livro "A Descendência do Homem...", indo contra tudo aquilo que tinha acabado de escrever umas dezenas de páginas antes, sobre o comportamento social dos animais sociais, nos quais ele, revolucionariamente, incluía o Ser Humano. Indo, também, contra a religião predominante no ocidente (muito importante naqueles dias, mais até do que hoje).
Charles que, com tanto profissionalismo e talento, descrevia o que observava no mundo natural, falhava em perceber as dinâmicas do género no ser humano. Falhava-lhe o contexto social. Charles, que foi um génio, não conseguiu separar-se dos enviesamentos que adquiriu ao longo da vida, vivendo na cultura em que viveu. Como pode, cada um de nós, assumir que todas as nossas crenças, opiniões e "observações" estão livres de enviesamentos?
Como sempre, em sociologia, a resposta é complexa. Não podemos, nunca, assumir isso, mas podemos, sempre, "limitar os estragos", fazendo algumas perguntas: ("Quem diz isto? Porque diz isto? Para quem diz isto?) Isto leva-nos a um conceito muito útil para esta discussão: "Lugar de Fala". Não vou entrar por aqui, este tema interessantíssimo já é muito explorado, o/a leitor/a pode encontrar discussões sobre isto abundantemente.
Mas talvez Darwin não tivesse escrito tantos erros factualmente incorretos nos seus livros sobre as relações de género nos humanos, se tivesse pensado no seu Lugar de Fala.
Talvez James Watson não dissesse os disparates racistas que disse. Como, erradamente, afirmar que "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no facto de que a inteligência deles é igual à nossa, quando todos os testes dizem o contrário." Que testes? Quando? Onde? Como?
Talvez, através do Lugar de Fala, percebemos que esta afirmação não seja a mais desenviesada. Um homem cis, branco, hetero-normativo, a falar de testes hipotéticos, de modo a inferiorizar "o/a outro/a". Um Laureado com o Prémio Nobel da medicina/fisiologia, a aproveitar o seu alcance para espalhar ideologia baseada em argumentos enviesados e nada objetivos.
Esta discussão surgiu-me quando assisti a uma palestra na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), exatamente sobre este mesmo assunto. Que elucidativo que foi, uma excelente apresentação por Dr. Rui Diogo, professor associado da Howard University (Washington DC, USA). A única crítica acrescentável seria que o orador, após ter falado da responsabilidade de oradores/as usarem a "fama" ou "alcance" para espalhar ideologias e, depois, ainda, de ter falado das várias vezes em que os/as cientistas não se opunham à norma, mas faziam parte dela, dizer-se apolítico torna toda esta discussão inútil.
Todo/a a/o cientista é também um/a cidadã/o, é também humano, e, portanto, terá sempre, inevitavelmente, enviesamento político. E afastar a perceção do público sobre a importância da política na sociedade e no quotidiano é: ou ingénuo/a/ignorante ou está a tentar passar uma imagem de neutralidade para o público não se sentir alienado do discurso (o que torna isto mentira, manipulação).
Gostava, portanto, de deixar a nota a todas/os os/as futuros/as observadores/as que de nada adianta compreendermos a história e os enviesamentos culturais se, depois disso, não trazemos consequências dessas realizações. Que, no sistema social em que vivemos, é através do voto, de manifestações e de ativismo.
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