A luta reivindicativa no contexto actual
Por: ANTÓNIO NETO
Camaradas e amigos/as:
Partilho convosco uma reflexão sobre a acção reivindicativa/contratação colectiva com base em alguns apontamentos que fui fazendo relativos aos desafios que o movimento sindical e os sindicalistas actualmente enfrentam. Não é um texto acabado, mas sim um conjunto de notas com vista a uma ponderação conjunta.
A acção reivindicativa tem de assumir um papel novo e, quando digo "novo", falo de renovação na continuidade, isto é, tem de continuar a ser o principal instrumento dos/as trabalhadoras/es na luta em defesa dos seus direitos, interesses e na conquista de novas regalias, ainda que no quadro de uma maioria absoluta do PS e de reforço da extrema-direita e do populismo ultraliberal.
A realidade impõe que a contratação colectiva tenha de ser encarada numa perspectiva de adaptação das convenções colectivas de trabalho às alterações e mutações que estão a operar nas empresas/locais de trabalho por força da informatização, da alteração das técnicas, métodos e processos de trabalho que estão a pôr fim, em muitos locais de trabalho, a formas de funcionamento mais tradicionais. Constata-se uma progressiva alteração, em qualidade e quantidade, do conteúdo funcional das tarefas desempenhadas pelos/as trabalhadores/as e um aumento progressivo do recurso ao teletrabalho e outras modalidades de prestação de trabalho. A necessária reconversão por força dos necessários conhecimentos técnico-profissionais dos/as trabalhadoras/es e da entrada de jovens no mercado de trabalho com formação superior a auferir baixos salários e com vínculos precários implica uma outra visão do papel da acção reivindicativa.
A acção reivindicativa é, muitas vezes, encarada de forma administrativa e ou como mero instrumento de reivindicação salarial, esquecendo-se que a contratação colectiva tem e deve ter um papel importante nas respostas a dar às necessidades, realidades, interesses e objectivos das/os trabalhadoras/es.
Esta situação coloca como exórdio de todas as questões o problema de muitos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, nomeadamente, a nível das carreiras, acessos e funções já não refletirem a realidade nas empresas.
As novas tecnologias e as novas formas de prestação de trabalho assalariado — e esta é uma questão importante — necessitam de acréscimo de aptidões e a ponderação de qual o papel dos/as trabalhadoras/es na empresa e na sociedade. Na acção reivindicativa, não podemos ficar indiferentes a esta realidade evolutiva e, por isso, há que intervir de uma forma nova para que os/as trabalhadores/as contribuam para a construção económica e social e sejam o objectivo essencial do progresso e do desenvolvimento económico.
Há que estudar e conhecer, em cada sector e empresa, a realidade profissional e social nas suas várias componentes, dando-lhe a devida resposta e enquadramento contratual.
Há que desenvolver e aprofundar o estudo de novos enquadramentos, carreiras, categorias e funções que correspondam ao actual contexto, procurando-se introduzir, na contratação colectiva, essas novas reformulações. Em minha opinião, implica, também aqui, intervir de forma inovadora de modo que a contratação colectiva valorize e dignifique o papel dos/as trabalhadoras/es e lhes atribua a importância que lhes é devida no tecido económico e no mercado de trabalho.
Há que saber articular a luta pela melhoria da retribuição das/os trabalhadores/as e estimular a introdução de novas condições contratuais de modo a assegurar um bom e adequado poder de compra e nível de vida, numa dicotomia valorização profissional/bons e melhores salários e regalias contratuais, o que, em muitas situações, implica a opção, sem tabus nem complexos, por uma regulação das novas realidades, como aconteceu com o teletrabalho, de modo a proteger as/os trabalhadores/as dos apetites exploradores do patronato.
Sendo verdade que aos novos e diferentes desafios há que responder com um novo pensamento, tal só será possível se soubermos equacionar a importância que, hoje, tem a unidade e o conhecimento dos problemas sectoriais e o contexto político-social em que vivemos.
Na acção reivindicativa é, actualmente, vital a unidade nas suas várias vertentes tendo em consideração a diversidade dos vários vínculos laborais e profissionais e respectivos interesses e realidades concretas.
O caminho não é fácil. Por isso, há que saber entender as motivações de cada sector e saber interpretar, de forma positiva e respeitadora, os vários interesses profissionais e sectoriais, de modo que as/os trabalhadores/as possam sentir a acção reivindicativa como seu instrumento de luta indispensável e fundamental. É necessário dialogar e saber falar dos problemas a partir de uma linguagem comum e pontos de vista convergentes.
Há que partir de realidades múltiplas, da diversidade de situações, de diferenças de opinião e outras e procurar o denominador comum inerente aos interesses das/os trabalhadoras/es.
Com total equanimidade e nos limites temporais desta intervenção, procurei equacionar, de forma solta, alguns aspectos que considero fundamentais para a ação reivindicativa.
Neste texto, apenas se lobrigam algumas alterações qualitativas procurando-se antever respostas adequadas ao actual contexto, assimilando a nova realidade, reflectindo e introduzindo-a nas suas linhas de orientação e direção, como factor indispensável à unidade e ao reforço da organização sindical.
Neste sentido, não posso deixar de chamar atenção para o facto de que está na ordem do dia a luta na contratação coletiva pela redução do horário de trabalho, por aumentos salariais, por normas que garantam as necessárias condições para que os/as trabalhadores/as possam frequentar os cursos de reciclagem e formação profissional, novas grelhas de categorias profissionais, a introdução de novas funções e categorias e de defender esquemas indexados de diuturnidades e subsídio de alimentação, entre muitas matérias relevantes.
O trabalho precário é uma dura realidade que urge analisar para que a contratação colectiva defenda e reivindique cláusulas capazes de o limitar na sua utilização apenas a situações de carácter excepcional.
Na situação actual, há que pôr os/as trabalhadoras/es a participar e a intervir nas várias fases da contratação colectiva.
A intervenção nos locais de trabalho não pode nem deve ser desvalorizada e tem de ser encarada, em cada processo negocial, numa perspectiva de trabalho sindical que vise unir e mobilizar os/as trabalhadoras/es, a partir do local de trabalho, em torno das suas reivindicações.
Deve-se ter como princípio a valorização de todas as formas e espaços de intervenção dos/as trabalhadoras/es desde que sirvam a prossecução dos seus objectivos, criando-se todas as formas de organização, conforme as condições concretas. Há que estudar e tratar os problemas, em cada sector de actividade, melhorando-se o conhecimento da realidade.
As reuniões de trabalhadores/as, a existência de delegadas/os sindicais como elo de ligação, a formação de grupos de trabalho por sector e a participação de trabalhadoras/es eleitas/os nas negociações são, entre outras formas, caminhos importantes de intervenção. A noção de negociação colectiva é mais ampla do que a contratação colectiva em si mesma e abrange processos como a negociação de cadernos reivindicativos nas empresas, de acordos de reestruturação sectorial e de acordos sobre o pagamento dos salários, entre outros.
A informação desempenha, a este nível, um papel fulcral e deve ser incentivada em vários campos em que o contacto direto com o/a trabalhador/a, a realização de plenários (reuniões gerais de trabalhadores/as) e a informação escrita devem ser actos da prática da contratação colectiva dos sindicatos. Para isso, é fundamental ter em atenção o seu conteúdo, linguagem, os/as destinatárias/os e a forma como a informação é distribuída.
Há que abordar os conteúdos reivindicativos, os níveis de negociação, as formas e processos de negociação, a aplicação da regulamentação de trabalho tendo em consideração a correlação de forças, a valorização dos resultados e a devida conjugação da acção reivindicativa com a organização e sindicalização.
Os/As trabalhadoras/es têm um futuro a defender e a contratação colectiva, não sendo o único, é um instrumento importante de luta. Em conclusão, há que melhorar o conhecimento, inovar a intervenção, reforçar a ligação aos/às trabalhadoras/es e unidade.
Há que lutar contra o bloqueio da contratação colectiva e pela alteração das normas laborais que condicionam o direito à negociação colectiva.
Os desafios são muitos e complexos mas a luta tem de de prosseguir. A luta é caminho e não há outro.
Maia, 20.04.2022
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