Os resultados eleitorais e a organização de base


por António Neto

Nos últimos três actos eleitorais, os resultados do Bloco de Esquerda foram de acentuada perda de votos, de percentagem e de eleitos nas autarquias e de redução de deputados na Assembleia da República. 

Muitas das causas foram escalpelizadas. No entanto, não houve um debate político profundo e sereno sobre as causas políticas e orgânicas que determinaram a perda da já reduzida influência no plano autárquico e do desastroso resultado nas legislativas de janeiro. 

É imperioso um sério processo democrático de discussão interna, de esforço de retomar o espírito de agregar quem se afastou ou foi afastado do BE só por delito de opinião ou por falsas, mas convenientes acusações. Lançam campanhas de filiação sem acarinhar nem resolver problemas graves de afastamento e ostracismo de muitos aderentes e ex-aderentes do BE que pretendem dar o seu contributo e empenho, mas estão impedidos de o fazer por cegueira sectária e por poderes instalados e cristalizados de algumas concelhias desligadas da realidade social e política. 

O BE está numa encruzilhada e há necessidade de um debate democrático, incluindo autocrítico, que tenha a participação de todas e de todos com o garante do reforço da democracia interna, de modo a assegurar o aprofundamento político das causas que culminaram na perda de votos e de deputados nas últimas eleições legislativas. 

A complexidade da situação política exige que todos sejam chamados à discussão de modo a permitir um rumo ao BE de afirmação do seu projecto alternativo ao capitalismo, sem compromissos que possam condicionar essa alternativa.

A matéria laboral, entre outras, devia e deve ter estado sempre em cima da mesa nas negociações e nos eventuais compromissos com o PS. Ter sido colocada esta matéria (não orçamental) — no quadro da discussão do último Orçamento e após uma crise pandémica foi tacticamente errado — não foi perceptível pelo eleitorado. A rejeição do OE, tendo sido uma decisão política consensual, não foi compreendida pelo eleitorado, tendo em consideração que o BE, após uma decisão daquelas, adoptou na campanha a tónica da disponibilidade para negociar. Uma campanha que deveria ter sido toda virada para as propostas e bandeiras do BE. 

Sem dúvida que há outras causas que influenciaram o sentido de voto e a derrota eleitoral do BE, como: a posição do Presidente da República, a bipolarização artificial, os falsos estudos de opinião e as sondagens fabricadas de supostos empates técnicos entre o PS e o PSD e o medo face à possível maioria de direita e ao entendimento com a extrema-direita. 

A falta de ligação às populações, o perscrutar da situação social, os problemas da democracia interna e exclusão de opiniões divergentes levaram, também, ao afastamento de parte do eleitorado e à descrença em relação àquilo que é a matriz fundadora do BE. 

Na realidade, o Bloco tem débil organização de base por falta ou insuficiência de trabalho local, com particular incidência nas freguesias e locais de trabalho e desligação às associações e movimentos locais. 

Nas freguesias, mesmo onde temos eleitos, há dificuldades de ligação aos problemas locais e não há uma intervenção e ligação regular com os movimentos e forças vivas locais. 

Há falta de trabalho regular e de informação local, por vezes, com origem no indevido centralismo e fechamento das Comissões Coordenadoras Concelhias.

Não há contactos regulares com as populações, trabalhadores e movimentos nem a prática de ouvir as pessoas, movimentos e associações, fruto de uma inexistente organização local. 

A actividade concelhia muito débil e fechada condiciona ou tolhe, por vezes, muito do que poderia ser uma maior atenção aos conflitos e problemas locais que uma organização e maior proximidade, nos locais de residência ou de trabalho, poderia assegurar e dinamizar. A constituição de núcleos ou reuniões abertas, nos locais de residência ou de trabalho, nos casos onde há condições, facilitaria e contribuiria para melhorar e reforçar dinâmicas próprias. 

O BE deixou de ser uma lufada de esperança para muitos e há que definir políticas que tragam, novamente, confiança e sejam fracturantes no plano laboral, social e ambiental. Muitas das propostas e preocupações estão plasmadas nos documentos da Convergência, que não castradores de outras opiniões.

Apontar caminhos da alternativa num processo que não esquece a forma como funciona e se organiza são aspectos fundamentais para dar consistência orgânica à concretização da alternativa e à eficácia nas respostas que urge adoptar. 

O BE tem de ser um espaço de pontes e construção da unidade. O BE não pode ser a expressão da vontade de um grupo que procura impor as suas ideias a partir de premissas que nem sempre são as mais correctas. A posição impositiva de opiniões que jogam contra a génese do BE dificulta a sua afirmação. O projecto político que defende não pode deixar de merecer um sério debate na procura serena de um programa alternativo que não se acantone na fronteira defensiva dos compromissos com a actual maioria. 

As estruturas do BE devem responsabilizar-se por planos de intervenção nas lutas, em particular, no mundo do trabalho e nos movimentos sociais. 

Tais objectivos constroem-se de baixo para cima e deve-se apostar na constituição de núcleos onde haja condições (freguesias, interfreguesias, empresas e ou sectores) que permitam uma maior proximidade com as populações e os trabalhadores e possibilitem uma melhor e mais articulada intervenção e acção. As organizações soltas e abertas de proximidade permitem uma melhor compreensão do meio e do conflito e aproximam o BE da realidade local e de empresa. 

As dificuldades evidenciadas na constituição de formas de organização mais abertas e aligeiradas que permita uma maior aproximação às necessidades locais e aos movimentos sociais na sua diversidade impedem o crescimento do BE e dificultam a sua inserção e intervenção nas lutas. 

A constituição de Núcleos, prevista estatutariamente, deve ser incentivada e valorizada e não dificultada ou até boicotada, como por vezes acontece, por quem continua a ter dificuldades em intervir e se mantém insensível aos movimentos locais e de empresa (pequenos ou grandes). 

Os núcleos de freguesia, interfreguesias, de empresa e ou sectores podem ser formas mais descentralizadas e próximas das pessoas que poderão fomentar a sua maior envolvência, o reforço da luta e a ampliação dos movimentos sociais. 

Acredito que neste espaço sem amarras e sem exclusões conseguiremos o desiderato de ter um BE mais forte, alicerçado nas pessoas, nos trabalhadores e nos movimentos cívicos e sociais. 

Vamos à luta por ele!


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