AI SE O POVO ENTENDESSE.........
I
“Vamos fazer barulho por dezanove!” Eis a orientação política da camarada Joana Mortágua, deputada pelo círculo de Setúbal, depois de o Bloco ter perdido mais de dois terços da bancada parlamentar.
As explicações já avançadas por camaradas da maioria responsável pela derrota eleitoral de 30 de janeiro são tão desastrosas como os próprios resultados.
A invocação de uma incompreensão do chumbo pelo Bloco do orçamento para 2022 por parte dos eleitores e a maldita bipolarização – como se em todas as eleições não houvesse bipolarização entre os dois partidos do bloco central que disputam a gestão dos fundos europeus, PS e PSD – são o leitmotiv das declarações a quente antes do balanço político que a Mesa Nacional vai fazer.
Insensivelmente vão desaguar, embora com intenção diferente, claro, no mesmo pântano onde patinham grandes figuras da análise política burguesa reacionária ou progressista: o voto contra o Orçamento não foi entendido pelo eleitorado, foi mesmo em geral condenado porque pôs em causa a estabilidade governativa e o Bloco foi visto como o responsável por essa malfeitoria.
Levando a sério essa perspectiva estes críticos devem sentir-se satisfeitos pois entrámos no tempo da estabilidade absoluta.
Ah! Não… Estabilidade sim, mas com a ajuda do Bloco que foi o que se teve afinal com a Geringonça! E mesmo quando António Costa achou que os parceiros da Geringonça não passavam de empecilhos.
Na verdade, nem por isso: o pacote laboral da troika permaneceu a impor a discricionariedade dos patrões, o SNS a degradar-se pelas cativações e pela política orientada para a transferência de meios materiais para o privado e de profissionais altamente profissionalizados que encontravam no privado segurança na carreira e salário adequado, os despedimentos nem com o argumento pandémico foram proibidos (“quem tem lucros não deve poder despedir” eis como a direcção abordou esta questão crucial, um apelo moral hesitante entre o dever e o poder!).
Costa continuou a governar nas calmas invocando a pandemia, mas deixando ao abandono não os doentes que esses tinham um SNS ultra-profissional e dedicado para além dos limites, mas as vítimas da degradação social e económica, atiradas para a pobreza e o desemprego.
II
Em nome da governabilidade o Bloco tem vindo a desleixar as referências da sua fundação e que lhe garantiram as bases para uma política de oposição assente numa alternativa à actual sociedade tendo como referência estratégica o ecossocialismo.
Não fora a Convergência ter agarrado e desenvolvido uma base ecossocialista para o Bloco, nomeadamente com um importante encontro que contou com Michael Löwi, hoje teríamos o Rui Tavares fazendo publicidade sem alternativa não do ecossocialismo, vade-retro!, mas substituindo-o oportunisticamente por um eco progressismo que na confusão das luzes e nas parangonas da comunicação social faria algum estrilho.
O marxismo como base da crítica científica da sociedade foi praticamente elidido da análise histórica e política do Bloco deixando os seus aderentes e simpatizantes à mercê das propostas mais mirabolantes de desgaste do capitalismo, de vias mais humanas de desenvolvimento do capitalismo, de capitalismo verde, de decrescimento sustentável, etc. – embora recheadas de estudos e investigações muito importantes e nada despiciendos mas a necessitar de enquadramento marxiano, ou seja de perspectiva revolucionária.
Thomas Pickety, Mariana Mazucato, a nossa Mariana Mortágua, têm trabalhos de qualidade superior que se esvaem, em última análise, na perspectiva ou da intervenção do Estado ou de outras formas de organização económica sob o guarda-chuva do capital que se teria tornado mais humanizado.
Marx dizia, sem ironia, que os capitalistas são funcionários do capital mesmo que dele retirem toda a brutalidade de poder económico e político que conhecemos. Ou seja, o capital tem existência própria, autónoma, não depende dos capitalistas, pelo contrário, e não admite derivações a não ser as que ele próprio cria na sua dinâmica assassina de crescimento infinito, por mais que os economistas julguem que sabem o que fazem.
Para mudar a vida (“mudar de vida” é fácil) só construindo uma sociedade ecossocialista, destruindo o capital.
O Bloco foi fundado por três correntes políticas organizadas tendo como base de pensamento a crítica marxiana. E nessa base o Bloco, porque soube colocar esse pensamento no centro da política e da reflexão interiores, conseguiu agregar parte importante dos pensadores e activistas progressistas e dos trabalhadores mais avançados.
Onde estão hoje?
Uma boa parte olhando com tristeza um Bloco que se descaracteriza e lhes tira uma referência de organização e/ou de acção que não encontram em nenhum outro lugar.
Outra parte lamenta que o Bloco, ao chumbar os orçamentos, tenha “traído” o espírito da Geringonça que os habituou a ser um pilar da governabilidade e da estabilidade de que todos gostamos, mas de que poucos usufruem realmente, muitos sem se interrogar sobre para quem é essa estabilidade que não chega nunca aos operários e trabalhadores em geral, muito menos aos 1,6 milhões de pobres e aos 1,9 milhões no limiar da pobreza.
Portanto, encarreiram naturalmente na crítica à oposição que o Bloco finalmente assumiu ao travar orçamentos do capital representado pelo PS.
Há, contudo, que reconhecer que sem assumir nem atempadamente nem coerentemente a autocrítica ao seu anterior colaboracionismo quando o PS começou a ligar mais ao PSD do que à eventualidade de acordos com os “empecilhos da esquerda”, a decisão foi manter a hipótese de influenciar a governação ou até fazer parte dela em bases sem qualquer solidez.
O que nos pode fazer pensar que foi a pressão da Convergência na defesa da uma oposição clara, sem rodeios nem ilusões, à política do PS quando ficou claro a determinação do PS para acordos com o PSD nas votações essenciais no Parlamento; e ainda mais, talvez, a necessidade que sentiu de desarmar os argumentos da Convergência, que precipitou, em boa hora mas em desequilíbrio e deixando os militantes atónitos e sem argumentos, a decisão de votar contra o OE para 2021 e, em coerência, contra o OE para 2022.
A direcção nacional não foi capaz de sustentar devidamente, nem para dentro nem para fora, uma decisão necessária mas totalmente em contra-mão com o que vinha defendendo e era a sua orientação base: conseguir um acordo com o PS no que, aliás, persistiu na campanha eleitoral retirando qualquer acutilância à nossa posição.
III
O “tempo das tendências”, como foi chamado, transformou tendencialmente o Bloco, de um organismo pujante de vitalidade democrática que cativava os mais avançados pensadores e militantes progressistas assim como os operários e trabalhadores em geral desejosos de encontrarem referências sólidas de luta contra o capital, num monólito construído em torno da articulação de interesses cristalizados numa burocracia centralizada e autoritária, recuperando procedimentos e tiques que a história já condenou.
O abandono persistente e paulatino das referências marxianas que estiveram na origem do Bloco e na base de entendimento das correntes fundadoras que, na altura, perceberam a necessidade de se anularem perante a necessidade de construir um Bloco dos militantes numa dinâmica poderosa de participação democrática ligado à luta dos trabalhadores, instalou um deslizar social-democratizante com ruído revolucionário QB.
No fundamental devemos reportar-nos à Convenção de 2014 em que a Tendência Esquerda Alternativa (TEA) se apresenta contra uma “lista em construção”, Unitária, onde preponderaram a camarada Catarina Martins e o camarada João Semedo, formada participada e democraticamente, ultrapassando na prática a lógica das tendências.
E, pasme-se, a linha estratégica dessa lista encabeçada pelo camarada Pedro Filipe Soares sob a orientação do camarada Luís Fazenda, era a defesa da Constituição, quando a esquerda se batia com vigor contra o ataque violento aos trabalhadores e ao povo em geral por parte da Troika e do passismo!
Aliás, a Constituição depois das várias Revisões asseguradas pelo PS e pelo PSD, serve na perfeição ao capital.
Portanto o Partido Socialista seria um parceiro aceitável para o objectivo central da lista da TEA do camarada Fazenda.
Mas o desafio de Catarina a Costa que levou à Geringonça, nada tinha a ver com a defesa da Constituição mas com a luta para acabar com o troikismo de Passos Coelho.
Perante o panorama actual no interior do Bloco, contatamos que as tendências impõem-se à construção participada e democrática da linha política.
A articulação da TEA e da Rede Anti-Capitalista (RAC) funciona, apesar da disputa surda entre ambas, agora e por enquanto às mil maravilhas para blindarem sob o seu controlo a direcção e anquilosarem o Bloco sob a coordenação eficaz de Catarina Martins.
Para tal contam com a vigilância discreta de Francisco Louçã preocupado com o aconselhamento do Presidente da República e do Banco de Portugal, a mão mais dura de Luís Fazenda e o vigor teórico social-democrata de Mariana Mortágua.
O grande desafio hoje é revigorar o Bloco através da entusiástica participação democrática da sua massa de aderentes no debate e na acção política sempre enquadrada pela luta dos trabalhadores.
Tal começa já por um balanço político rigoroso e sem tabus da nossa participação nas eleições de 30 de janeiro que, por parte dos militantes foi entusiástica e eficaz.
Eles merecem e, decerto, exigem conclusões que assegurem uma mudança do rumo num retorno do Bloco às suas raízes e o reimplante no seu terreno da luta de classes, isto é, em defesa dos trabalhadores quer nos seus direitos democráticos inalienáveis quer na sustentação da sua luta contra a exploração e dominação capitalista.
Para isso nasceu o Bloco, por isso o Bloco será mesmo a alternativa política para a grande caminhada rumo a uma sociedade ecossocialista.
* Mário Tomé
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