O BLOCO DE ESQUERDA à frente da luta contra a direita *


 


                                      

                                          Eleições de 30 de Janeiro


As eleições que aí vêm a aproveitar-se da pandemia e das restrições a enfeitar a chamada crise política que, segundo Costa, Marcelo e Rio, ameaçam a governabilidade, ou seja a governança obediente à Comissão Europeia sem sobressaltos e com a cidadania dócil e sem referências claras, podem, contudo, ser um tempo de clarificação ao invés do cenário  que os aparelhos ideológicos e políticos se aplicam a desenhar.

Seja para favorecer a maioria absoluta do PS, seja para fazer do PSD a espada de Dâmocles de Costa, a conversa pré-eleitoral e que ameaça manter-se até às eleições é para «encher pneus» ou, de forma menos vulgar, para enevoar o confronto de opções e alternativas entre uma política de esquerda e os vários avatares do neoliberalismo.

Como todos e todas sabemos em termos gerais e abstractos, a TINA (There Is No Alternative) é a madrinha da nossa civilização actual inspirada no neoliberalismo global. Daí a pressão explícita ou disfarçada para reduzir a disputa eleitoral aos «faits divers» sem conteúdo, num confronto politiqueiro mais ou menos exacerbado na arena da TINA: quem governa o quê, com quem, quem fica de fora, a fazer o quê, até quando, etc.

O PS gabou-se de ter acabado em 2015 com a mácula de o acesso ao círculo do poder estar vedado à sua esquerda; esqueceu-se de vincar que tal benfeitoria se deveu ao facto dessa ser a única forma de Costa tomar conta do governo.

O desafio de Catarina Martins no debate com Costa na pré-campanha de 2015 – se o PS estiver disponível para abandonar esta ideia de cortar 1660 milhões de euros nas pensões, abandonar o corte da TSU e o regime conciliatório de despedimentos, no dia 5 de Outubro cá estarei para que possamos conversar sobre um governo que possa salvar o país, que possa pensar em reestruturar a dívida para termos futuro e emprego (…), (ver Público 31Dez) – foi um verdadeiro golpe de asa, decisivo para o valioso e determinante contributo do BE e do PCP num governo que travou o ímpeto das malfeitorias do passismo e da troika.

Claro que o PCP no seu vezo de cuco, de pôr os ovos nos ninhos dos outros, lá fez com que a proposta para um acordo parlamentar de apoio ao governo Costa para correr com a direita começasse a ser divulgada como tendo sido sua iniciativa.

Mas em verdade, verdade vos digo, em última instância o governo anti-Passos esteve sempre sob a tutela da troika, donde o FMI apenas fez de conta que saiu o que vai dar ao mesmo. E donde o PS não permitiu que saíssemos verdadeiramente como se pode constatar numa rápida vista de olhos: a legislação laboral dependente da vontade dos patrões; os primeiros lanços duma pseudo “transição energética”, destinados a encobrir a brutalidade dos milhares de despedimentos colectivos e encerramento de empresas como a Galp de Matosinhos ou a central de Sines, transição aquela para que os mandantes do mundo se estão rentando repondo ad hoc o funcionamento de centrais de carvão e a exploração dos combustíveis fósseis, num claro mas involuntário apelo à intensificação da luta popular contra as alterações climáticas ou seja contra o capitalismo (este Modo de produção – e não “modos de produção”, truque em que o plural esvazia o conteúdo do singular- que a educação e investigação científica mergulhadas na sufocante crise das cativações de Centeno e de Leão (socialistas à brava como Costa);  a colaboração quase provocatória com os privados na saúde à custa do SNS, logo da generalidade da população, promovendo um designado sistema nacional de saúde onde os ricos pontificam, se  tratam e se enchem à custa dos sistemas convencionados pagos pelos trabalhadores e das PPP…pagas pelos trabalhadores;  a cumplicidade ultrajante com os abutres da banca; a submissão rasteira a Bruxelas com ares de grande e prestigioso serviço à humanidade.

Nestas eleições a 30 de Janeiro o Bloco de Esquerda tem de apresentar-se não apenas na denúncia dos bloqueios a uma política de esquerda, por parte do PS, prático calejado no colaboracionismo com o PSD, mas sim afirmando-se como a única força política capaz de abrir caminho a uma alternativa anti-capitalista, realmente ecologista ou seja eco-socialista, a construir paulatinamente mas desde já, através da participação popular inspirada nas propostas do programa político do Bloco de Esquerda.

A conversa de comadres que toma conta da política, como se as propostas e a disputa de alternativas não fossem determinantes, reduzindo-a a uma espectativa mecânica como se o próprio eleitorado

fosse um instrumento passivo da TINA, tende a puxar o Bloco para a manobra, ou melhor dito, para o manobrismo, tentando tirar-lhe a iniciativa e a audácia necessárias a quem deve ter como objectivo ser a referência da esquerda em Portugal como assinalou à nascença.

A vitória da direita ou a maioria absoluta do PS (tem graça como as fazem equivaler, nas contas eleitorais, os eleitores zangados com o Bloco pelo chumbo, em boa hora, dos orçamentos de 2021 e 2022,) são o engodo para sustentar a disponibilidade bloquista para traçar a linha para a campanha eleitoral tendo como base a disponibilidade de acordo com o PS se este prometer portar-se bem.

O PS não é um menino traquinas que faz uma tropelias e promete emendar-se. O PS é um velho sabidão, trapalhão, charlatão e, pior que tudo, apostado em ser de Bruxelas, ou seja da finança, um fiel lacaio.

A luta contra a direita exige um programa a sério de esquerda, um programa bem estruturado, com respostas adequadas aos interesses imediatos de quem trabalha e com visão estratégica de futuro. De reformas que travem a agressão do capital e propostas de construção de uma alternativa sistémica.

O programa que o Bloco apresenta nestas eleições é um verdadeiro programa orientador para a esquerda, que reponde aos cinco critérios da grande canção do Sérgio Godinho; A Paz,o Pão, Habitação, Saúde, Educação e acrescenta o da nossa “era”: a Natureza, como pressupostos para a liberdade.

Torna-se imperativo fazer desta campanha não uma fastidiosa, repetitiva, tímida, inepta, inconsequente e oportunista repetição do apelo, mais claro ou mais dissimulado, ou de afirmação de disponibilidade para acordos com o PS que já mostrou ao que anda e não hesitou em provocar eleições para acusar o Bloco de responsável por uma crise que de facto não passa da mesma de sempre: os trabalhadores na mó de baixo a serem trucidados pelos amigos do PS e do PSD.

A ameaça da direita não pode ser conjurada a não ser com propostas mobilizadoras para a cidadania em geral e os trabalhadores em  particular. Tudo o que for acenar com mais do mesmo, ainda por cima em condições diferentes, significa entregar o ouro ao bandido.

Além disso o Bloco tem de excluir do seu discurso o mantra da terceira força com que a comunicação social o atira para uma disputa com o Chega,

O Ventura não passa de uma treta com voz grossa assim/assim que nem fascista consegue ser. O Ventura quer ir para o governo do “sistema” a que diz opor-se e que o financia generosamente.

Como diria o Almada Negreiros o Ventura cheira mal da boca! O Ventura é o escárnio da consciência!

O Bloco teve a sua maior votação em 2015 (550.890), quando abriu a porta ao acordo com o PS para impedir a direita de formar governo apesar de Passos ter ganho as eleições.

Em 2019 perdeu 50 mil votos, mantendo no entanto o mesmo número de deputados (o PCP perdeu 115 mil), ao insistir num acordo que, além de lhe ter sido negado, já tinha mostrado ter cumprido o seu papel e, a partir daí, insistir nele, não passava de chover no molhado quando o PS já deixara claro que o amor à esquerda acabara, queria governar com a direita se não pudesse fazê-lo sozinho. 

Marisa Matias na campanha presidencial de 2021 (164.869 votos) perdeu 300 mil votos dos 469,582 de 2016, pela mesma razão: a insistência para encontrar soluções para o país num acordo com o PS.

Hoje, dos que ficaram zangados por o Bloco ter chumbado os orçamentos de 2021 e, em especial o de 2022, numa afirmação factual de que não está disposto a transigir com mais colaboracionismo com a direita, uma parte irá votar no PS, o ninho acolhedor.

Mas grande parte da fatia do eleitorado que se abstém por estar descontente com esta democracia que só serve a direita, por estar farta de promessas e de ficar sempre de fora das grandes decisões, a grande parte do eleitorado de esquerda, precisa de ser posta em contacto com o programa do Bloco e o seu potencial de realização e de esperança.

A nossa campanha tem que afirmar-se como a única alternativa à direita, com as nossas propostas que a confrontam no cerne do seu poder, e deixar claro que esse confronto, por mais duro que seja, não dispensa ninguém nem nenhuma força de esquerda desde que não transija no fundamental nessa luta.

* Mário Tomé

 

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