1 - A FINANCEIRIZAÇÃO DA FLORESTA
Segundo o Programa do governo PS, a criação de floresta com escala rentável
e sustentável será assegurada fortalecendo as Organizações de Produtores
Florestais (OPFs) onde se incluem as Entidades de Gestão Florestal (EGF), estas
podendo conter investidores privados alheios à produção florestal.
Esta política conduz à espoliação dos pequenos e muito pequenos
proprietários com a agregação em grandes explorações, à mercê do capital
financeiro procurando o produtivismo intensivo especialmente virado para a
indústria das celuloses.
Em primeiro lugar, as OPFs não ultrapassam a pulverização da propriedade
rural e, portanto, não contribuem para criar maior escala das áreas geridas de
forma agregada. A legislação que enquadra a criação de OPFs favorece os grandes
proprietários, é demasiado exigente no acesso a financiamento e subalternizando
a agregação de pequenos produtores.
Em segundo lugar, nas EGF o que mobiliza o capital financeiro é o lucro,
não é a sustentabilidade ambiental ou o respeito pelos pequenos, mas antes a
promoção da concentração fundiária de teor ora latifundista ora capitalista e
de modelos produtivistas com base em monoculturas, seja ela do pinheiro ou do
eucalipto. Por outro lado, esta política do PS defende também a atribuição dos recursos
dos Fundos de Investimento Florestal com um tratamento equivalente às ZIF
(Zonas de Intervenção Florestal) para a atribuição de apoios públicos,
sobrepondo-se a estas, as quais estão descapitalizadas, deixando de ser
atrativas. Por isso não há novas ZIFs…
Lembramos que as ZIF são, principalmente a Norte do Tejo e na serra
Algarvia, constituídas por pequenos proprietários. Mas os fundos são dos
grandes investidores…
Esta política é uma fraude para as expectativas das centenas de milhares de
pequeníssimos proprietários, os quais, em vez de apoiados, têm sido e continuam
a ser, sob vários pretextos, alvo de multas cada vez mais pesadas, visando
levá-los a desistir da posse das suas pequenas parcelas. Não promove a
sustentabilidade ambiental e, em contrapartida, realimenta o produtivismo
florestal intensivo, terreno para incêndios devastadores.
Além disso, a colocação da tutela das florestas no Ministério do Ambiente e
da Ação Climática complica a gestão florestal, dado que os subsídios,
nomeadamente o PRODER, têm origem no Ministério da Agricultura. o que dificulta
a imperiosa conjugação de políticas para um mesmo espaço rural.
A colocação de um rótulo ambiental a esta política florestal é uma
mistificação, pois não se enquadram nestas opções do governo quaisquer
preocupações ambientais sérias, bem pelo contrário.
Surgiu recentemente o designado o Programa de Transformação da Paisagem
(PTP), que veio criar grande expectativa. Este programa é dirigido a
territórios florestais com elevada perigosidade de incêndio, estando ancorado
no Programa de Valorização do Interior.
O PTP implica, entre outros aspetos, a remuneração da transformação da
paisagem através de um processo participado de base local. Assim, o
proprietário é remunerado por redesenhar a paisagem para promover a desejada
floresta multifuncional, biodiversa e resiliente, mais rentável, com maior
capacidade de sequestro de carbono e capaz de produzir melhores serviços a
partir dos ecossistemas.
Surgem assim as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), que definem
um modelo de gestão agrupada e o Condomínio de Aldeia, ou seja, um programa de
Apoio às Aldeias localizadas em territórios florestais, com o objetivo de
assegurar a gestão de combustíveis em redor dos aglomerados populacionais.
Neste âmbito foi criado ainda o Programa Emparcelar para Ordenar para
fomentar o aumento da dimensão dos prédios rústicos em contexto de minifúndio.
Permanecem, no entanto, muitas dúvidas em relação ao impacto desejado do
PTP, nomeadamente o financiamento que permita ultrapassar uma ação pontual e
experimental. Para já, os montantes alocados são mais do que insuficientes e a
ação não tem passado de projetos-piloto.
As dúvidas estendem-se também à delimitação das áreas vulneráveis,
definidas como sendo as mais percorridas por incêndios e não as que acumulam
mais material combustível, bem como ao modo como é efetuado o emparcelamento.
Por outro lado, programas como o Condomínio de Aldeias sobrepõem-se a programas
já existentes.
Acresce, como grande preocupação, o caráter compulsivo e arbitrário em que
se prevê que seja realizado o arrendamento forçado para concretizar o PTP, o
que torna possível que produtores florestais e agricultores, com propriedades
nas áreas de intervenção, vejam os seus terrenos arrendados, a preços incertos
e eventualmente irrisórios.
Finalmente, os critérios e respetiva ponderação para seleção dos
emparcelamentos a cofinanciar, ao privilegiarem os maiores proprietários,
legitimam o receio de estarmos perante mais uma encapotada e inaceitável operação
de concentração forçada da propriedade.
(continua)
* Alexandra Ricardo, Ana Sofia Ligeiro, Carlos Matias, Manuel Carlos Silva e Rui Corte
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